Embarcados nos mesmos barcos
precários, os desempregados autóctones, os que vivem do Rendimento Mínimo
Garantido, hoje RSI, vêm aumentar as fileiras das forças improdutivas numa
lógica que faz do trabalho um valor absoluto, uma ética, por assim dizer.
Ora esta moral de dor provém
directamente dos esquemas cristãos, segundo os quais o labor tem como
genealogia a natureza pecadora dos homens e o sofrimento consubstancial ao
trabalho é como que uma punição, uma expiação necessárias em virtude dos erros
cometidos pelo primeiro homem: o trabalho deve ser sofrimento para aqueles que
o possuem e maldição para os que deles estão privados.
É então que triunfa a ideologia
dominante do idealm ascético: os que estão sob o seu domínio não têm os meios
para a ele acederem. Entretanto, todos
sofrem por sua causa e em seu nome.
Mais uma vez recordemo-nos da etimologia
que faz derivar o trabalho do tripalium, esse instrumento de tortura que, por
si só, diz quanto baste sobre aquilo que se deveria pensar acerca de qualquer
actividade laboral assalariada, caso não estivessemos submetidos, de pés e mãos
atadas, às epistemes – para falar como Foucault – que derivam do ódio pelo
corpo e que jubilam com todas as actividades que permitem a castração, a
contenção, a retenção, a suspeita em relação à carne, aos desejos e aos
prazeres.
A religião do trabalho fez do
desempregado um mártir e o fervor que ela exige e os sacrifícios que quer
transformaram os que o procuram emprego em pecadores e penitentes que podem
obter um perdão e a salvação na medida em que terão merecido e obtido uma
redenção á custa de impassibilidade e de submissão, se não às necessidades das
leis da fatalidade, pelo menos às de um mercado que faz reinar o seu terror
pela penúria organizada do trabalho, em vez de proceder a uma partilha, tanto
mais que uma outra distribuição diminuiria as penas colectivas dos que sofrem
de trabalho a mais e dos que penam por não tê-lo.
Utopia, dirão alguns, cujos
antepassados vociferavam as mesmas invectivas há dois séculos, enquanto outros
falavam em suprimir o colonialismo, a serventia, a escravatura ou o trabalho
das crianças.
Com os seus gritos de
águias-marinhas que profetizavam o fimda economia, a regressão secular, a
catástrofe monetária, o desmoronamento dos mercados, eles nunca deixaram de ser
desmentidos pelos factos históricos, mas nem por isso deixam de persistir no
catastrofismo, logo que se trata de justificar o estado das coisas e de
legitimar o mundo tal como ele está.
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