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domingo, 10 de fevereiro de 2013

«ZONAS MAIS PERIGOSAS DA POBREZA»


Embarcados nos mesmos barcos precários, os desempregados autóctones, os que vivem do Rendimento Mínimo Garantido, hoje RSI, vêm aumentar as fileiras das forças improdutivas numa lógica que faz do trabalho um valor absoluto, uma ética, por assim dizer.

Ora esta moral de dor provém directamente dos esquemas cristãos, segundo os quais o labor tem como genealogia a natureza pecadora dos homens e o sofrimento consubstancial ao trabalho é como que uma punição, uma expiação necessárias em virtude dos erros cometidos pelo primeiro homem: o trabalho deve ser sofrimento para aqueles que o possuem e maldição para os que deles estão privados.

É então que triunfa a ideologia dominante do idealm ascético: os que estão sob o seu domínio não têm os meios para a ele acederem. Entretanto,  todos sofrem por sua causa e em seu nome.

Mais uma vez recordemo-nos da etimologia que faz derivar o trabalho do tripalium, esse instrumento de tortura que, por si só, diz quanto baste sobre aquilo que se deveria pensar acerca de qualquer actividade laboral assalariada, caso não estivessemos submetidos, de pés e mãos atadas, às epistemes – para falar como Foucault – que derivam do ódio pelo corpo e que jubilam com todas as actividades que permitem a castração, a contenção, a retenção, a suspeita em relação à carne, aos desejos e aos prazeres.

A religião do trabalho fez do desempregado um mártir e o fervor que ela exige e os sacrifícios que quer transformaram os que o procuram emprego em pecadores e penitentes que podem obter um perdão e a salvação na medida em que terão merecido e obtido uma redenção á custa de impassibilidade e de submissão, se não às necessidades das leis da fatalidade, pelo menos às de um mercado que faz reinar o seu terror pela penúria organizada do trabalho, em vez de proceder a uma partilha, tanto mais que uma outra distribuição diminuiria as penas colectivas dos que sofrem de trabalho a mais e dos que penam por não tê-lo.

Utopia, dirão alguns, cujos antepassados vociferavam as mesmas invectivas há dois séculos, enquanto outros falavam em suprimir o colonialismo, a serventia, a escravatura ou o trabalho das crianças.

Com os seus gritos de águias-marinhas que profetizavam o fimda economia, a regressão secular, a catástrofe monetária, o desmoronamento dos mercados, eles nunca deixaram de ser desmentidos pelos factos históricos, mas nem por isso deixam de persistir no catastrofismo, logo que se trata de justificar o estado das coisas e de legitimar o mundo tal como ele está.

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