Certo dia, fui convidado a visitar uma escola-modelo.
Essa visita foi um verdadeiro encantamento, um espectáculo admirável”
A Superiora do estabelecimento conduziu-me a uma classe
arejada, clara, toda verniz e esmaltes. As paredes eram de cor delicada. As
certeiras eram em vidro e aço cromado.
Não havia bancos, mas cadeiras estofadas. Na parede do
fundo, corria um friso, com os mais belos desenhos de uma pintora célebre.
O estrado da mestra era feito com aqueles tipos de
madeira congolesa que se poderia tomar por essências preciosas.
Dois piriquitos azuis bicavam-se desaforadamente num
imenso viveiro. Pela janela aberta, viam-se suaves colinas, belas árvores, um
lago onde se via um salgueiro lamartiniano.
Ali dentro, ficava-se com a alma de criança
Eu quase teria desejado reaprender a tabuada de
multiplicar, a ortografia flamenga, o género de amor, prazer e órgão.
Felicitei, pois, a boa madre, que se mostrou encantada
por isso.
«Não é verdade, mesmo, que está bom?», disse-me ela. «Como
vão estudar, os meus pequenos!»
Concordei, com bastante convicção, e despedi-me.
Regressei a Portugal, e passados tempos, saudoso daquele
recanto encantador da cidade de Paris, quis revê-lo.
Portanto, para lá voltei. Tudo estava mudado! Não havia
mais friso na parede, nem carteiras cromadas, nem piriquitoss, nem estrado em
madeira de lei. Nas vidraças, uma caiação mal feita escondia a romântica
paisagem.
«Boa madre, disse, espantado com aquele vandalismo, que
fez a senhora?A sua classe tornou-se numa gaiola como as outras?»
“Sim, respondeu a santa mulher, de grande inteligência,
sim, era preciso.
As crianças distraíam-se muito. Depois, sorrindo, acrescentou:
“Olhe, nada se faz sem um pouco de austeridade”
A falta de energia decorre de diversas causas. Entre
essas, ouso incriminar o próprio quadro da nossa vida, onde tudo nos dispõe,
não á concentração em nós mesmos, mas, ao contrário, à distracção e à
dispersão.
A criança e o adolescente que voltam para suas casas, que
encontram ali?
A austeridade, aquele mínimo de austeridade que é o obstáculo que se faz necessário, quer se queira, quer não, superar e vencer?
De forma nenhuma!
Na maior parte do tempo, tudo está disposto de maneira a
que o máximo de conforto produza o mínimo de esforço, para aqueles que possuem
os meios de pagar a seus filhos o luxo que acabo de referir naquela escola
parisiense, inserida num colégio de uma ordem religiosa.
O próprio quadro da nossa vida, tão confortável, tão bem
arranjado para favorecer o velho instinto da preguiça e tão perfeitamente
concebido para favorecer a necessidade de comodidade que dorme em cada criança,
em cada adolescente, sem que nenhum governante se preocupe com isso.
Ele mata a vontade, enfraquecendo-a e atrofiando-a,
inicialmente. Pedem-se exemplos?
Temo-los bem à vista de todos na tremenda diferença
existente entre os cidadãos, seus filhos e as elites capitalistas, que
desconhecem o significado da palavra “crise”.
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