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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

«DESCARTES, POIS!»























A obra de 1637 inicia  modernidade na Europa, porque desenha com contornos nítidos um sujeito que, desde que respeite a religião do seu Rei e da sua ama – o desejo é do próprio filósofo – vê abrir-se à sua frente todos os possíveis.

Autonomia da razão, liberdade da reflexão orientada segundo a ordem matemática, leitura científica do mundo, metodologia restrita ao uso da retórica e do conceito,  regras colocadas para o espírito se orientar, reciclagem do dualismo antediluviano, estes são os instrumentos do que se tornará a pura razão prática.

Por outro lado, o desígnio do Discurso do Método, para lá da fundação desse indivíduo dispondo das aquisições ontológicas sobre as quais ainda vivemos, consiste igualmente em promover todas as ciências que permitiam ao homem tornar-se “como que mestre e possuidor da natureza”.

Ainda em economia propriamente dita, mas o que constitui o conteúdo do termo vai operando ao longo do século.

O indivíduo, emergindo à luz do dia, bem como a sua vontade em apropriar-se da natureza, no mundo real e sensível, eis, pois, um agente, um actor e um projecto com os quais se podem constituir as reflexões que desenham o contorno das primeiras meditações dos economistas.

Para isso, e quedando-me no cartesianismo que então anima, ocupa e, até, incendeia a Europa – Leibniz na Alemanha, Espinosa na Holanda, Hobbes em Inglaterra – seria necessário um certo tempo para dissertar sobre a teodiceia de um, o monismo panteísta do outro e o materialismo mecanicista do último, para demonstrar em que medida os anos dos meados do século XVIII iriam permitir a François Quesnay, o pai dos fisiocratas, a elaboração do que se convencionou apresentar com a pré-história das ciências económicas ou, pelo menos, uma primeira manifestação, digna desse nome, desta nova disciplina.

Dos fisiocratas devemos reter a ideia de que o mundo, tal como nos aparece, é perfeito e provém de uma vontade divina. Do mesmo modo, no decurso do processo que conduz o dialecticamente, para a perfeição de todo o grande conjunto.

Daí, concluir sobre uma harmonia preestabelecida e sobre a leitura da natureza actuante agiriam e provariam a unidade do mundo e a sua proveniência de uma só substância diversamente modificada.

Quanto a esta natureza, expandida no registo da variação múltipla a partir de um único e idêntico tema, obedeceria a leis legíveis para todo aquele que considerasse o seu espírito segundo a ordem das razões.

os fisiocratas, na sua desconfiança relativamente aos primórdios da industrialização, na sua celebração da natureza e, mais particularmente, da terra, na sua vontade de nela verem a obra de um princípio arquitectónico, desenvolvem um talento sintético digno de electismo de Victor Cousin, para adicionarem a essas colagens teóricas uma pitada de sensualismo emprestada a Locke, uma outra de ocasionalismo retirada de Malebranche; formulam, depois, de modo dedutivo, quase postulando-a, uma teoria económica que, como que por acaso, rejubila o rei, conforta-o no seu monarquismo de direito divino e legitima a sua acção como déspota exclusivamente limitado à luta contra os factores que perturbam a ordem natural.

Com a rejeição da História e dos seus desenvolvimentos dinâmicos e dialécticos, com o universalismo alargado aos reinos europeus ou até ao planeta, com a desvalorização do homem – uma criação de todos os tempos – os fisiocratas, à laia de teoria económica científica, não fazem mais que fornecer a um rei os meios para este realizar a sua política, rei que funciona segundo o princípio da monarquia de direito divino, enquanto legitimam a ordem feudal com uma visão do mundo apropriada e confeccionada para o efeito.

Os economistas depressa decretaram a lei, e as suas formulações conferiram-lhes uma aura de santidade junto aos governantes a quem faltava uma política, pois estes já aí encontravam matéria para colocar brilhantismo no lugar da sua notória incompetência. A lição mantém-se válida.

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