Género artístico com uma longa tradição, a
caricatura visa, pela acentuação e exagero de alguns aspectos característicos
do personagem tratado, apresentá-lo numa óptica satírica, ou mesmo ridícula,
por vezes plena de aguda observação psicológica e notável significado
sociológico.
Tal como aconteceu na generalidade dos países
europeus, a caricatura afirma-se em Portugal no século XVIII, para adquirir um
volume crescente a partir da centúria seguinte, com a difusão da imprensa e as
vicissitudes da vida política e do quotidiano ditadino.
Mas a sua trajectória histórica é ainda mal
conhecida, estando por estudar muitos dos seus aspectos.
Data de cerca de 1735, segundo J. A. França,
o exemplo mais antigo que hoje se conhece: uma gravura satírica de Vieira
Lusitano escarnecendo de um escultor galego em ajuste de contas pessoal.
Mas só em 1807 voltamos a ter notícia de
análoga tentativa, como o desenho anónimo vituperando a fuga da família real e
do príncipe D. João para o Brasil.
Embora circulassem no país ilustrações
satíricas e publicações estrangeiras, o primeiro jornal deste tipo data apenas
de 1847.
Intitulado Suplemento Burlesco e usando como
processo gráfico a litografia, nele surgiam frequentes ataques a Costa Cabral, “o
chibo de Algodres”, invenção gráfica de um obscuro Lopes Pinta-Monos, e um dos
primeiros grandes sucessos públicos neste domínio. Desencadeia-se a partir
daqui toda uma vasta produção, de nível não muito elevado, que tem como
principais centros Lisboa e Porto.
Reflectindo posições de clientela partidária
e interesses de imediatismo político, ela acaba por abranger toda a vida da
burguesia constitucional, interpretada por caricaturistas como Nogueira da
Silva (através do Jornal para Rir, da série Celebridades Contemporâneas), em
Lisboa, e de Sebastião Sanhudo, no Porto (com Pai Paulino, O Sorvete, O
Piperotes).
Mas a grande figura que enche o panorama da
caricatura oitocentista é Rafael Bordalo Pinheiro. Com a sua carreira iniciada
nos anos 70 no Binóculo, A Berlinda e a lanterna Mágica, prosseguida no Brasil
com o Psit… e o Besouro, e continuada em Portugal com o António Maria, os
Pontos nos II e A Paródia, ele foi o criador do Zé-Povinho, sem dúvida a mais
espantosa personificação dessa entidade colectiva que tudo sofre e muito pouco
recebe, apesar de tantas vezes evocada.
A seu lado comparecem e desfilam artistas e
intelectuais, políticos e financeiros, soberanos e famílias imperiais,
ministros e conselheiros, eclesiásticos e acontecimentos da actualidade, não
faltando ainda o auro-retrato sem contemplações.
Nesta linha, de um romantismo mais ou menos
atardado, se inscrevem outras personalidades, próximas de uma maneira ou de outra
dos modelos de Rafael Bordalo: Manuel Gustavo, seu filho, Celso Hermínio
(fundador de O Micróbio e o Berro), Julião Machado (colaborador da Comédia
Portuguesa) e Manuel de Macedo (colaborador na Lanterna Mágica), Leal da
Câmara, cujo traço inicialmente se confunde com o de Bordalo, desenvolveu
depois uma interessante carreira internacional,, em Madrid, Paris (onde
trabalha para L’Assiette au Beurre) e Bruxelas, em situação de certo modo
emancipada.
A caricatura e a visão humorista ocuparam um
lugar de relevo entre os artistas modernistas que procuravam romper com a
linguagem oitocentista. Tal começa a verificar-se no certame de “arte livre”,
em 1911, e depois a partir da I Exposição dos Humoristas, no ano seguinte, onde
participam,, entre outros, Emmerico Nunes, Cristiano Cruz, Almada Negreiros,
Amarelhe, Francisco Valença e Jorge Barradas.
Iniciava-se assim um novo ciclo, que chega
até aos nossos dias ao longo de gerações sucessivas, em que se incluem Stuart
Carvalhais, Correia Dias, Bernardo Marques, Carlos Botelho, Tomás de Melo-Tom,
João Abel Manta…
Conhecendo uma vertente política importante,
distribuída por todo o naipe das formações ideológicas, a caricatura reduz esse âmbito de crítica durante a época do Estado Novo, apesar da liberalização
ocorrida no período marcelista.
Após Abril de 1974 assiste-se a uma explosão
do género, em que nomes como o de Sam, Vasco, Cid, António e outros, ainda que
com actividade anterior, desenvolvem uma obra ampla e variada.
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