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domingo, 24 de fevereiro de 2013

«VANTAGENS DO EXÍLIO»



É erradamente que se vê no exilado a imagem de alguém que abdica, se retira e se apaga, resignado às suas miséria, à sua condição de desperdício.

Se o observarmos, descobriremos nele um ambicioso, um desiludido agressivo, um ser azedo que é também um conquistador.

Quanto mais desapossados nos vemos – e pessoalmente vivi já a situação – mais se exacerbam os nossos apetites e as nossas ilusões.

Descortino até uma certa relação entre a desgraça e a megalomania.

Aquele que perdeu tudo conserva como último recurso a esperança da glória, ou do escândalo literário. Consente em abandonar tudo, excepto o seu nome.

Mas como imporá o seu nome, quando escreve numa língua que os civilizados ignoram ou desprezam?

Tentará outro idioma? Não lhe será fácil renunciar às palavras em que se arrasta o seu passado. Quem renega a sua língua para adoptar outra, muda de identidade ou até de decepções. Heroicamente traidor, rompe com as suas recordações e, até certo ponto, consigo próprio.

Um escreve um romance que, de um dia para o outro, o torna célebre. Narra os seus sofrimentos.

Os seus compatriotas no estrangeiro, invejam-no: também eles sofreram, talvez tenham até sofrido mais. E o apátrida torna-se – ou aspira a tornar-se – romancista, sem se aperceber que o seu romance foi apenas um “acidente de percurso”, que se não repetirá jamais romancista.

O resultado é uma acumulação de desilusões, uma inflação de horrores, de calafrios datados.

Não é possível renovar indefinidamente o Inferno, cuja característica principal é a monotonia, nem o rosto do exílio. Nada em literatura é tão exasperante como o terrível.

Na vida, o terrível surge com demasiada evidência para que nos detenhamos nele.

Mas o autor persiste; de momento, enfia o seu romance no fundo de uma gaveta, e fica à espera de que soe a sua hora.

Sustenta-o a ilusão de uma surpresa, de uma fama que lhe foge mas com a qual ele conta; vive de irrealidade.

A força desta ilusão é, no entanto, tão grande que se o nosso autor trabalhar numa fábrica, será sempre com a ideia de ser dela arrancado um dia por uma celebridade tão súbita quanto inconcebível.

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