“Se o Sol e a Lua começassem a duvidar, apagar-se-iam no
mesmo instante” (Blake).
A Europa duvida desde há muito… E se o seu eclipse nos
confunde, os americanos e os russos contemplam-no com serenidade ou com
alegria.
A América ergue-se diante do mundo como um nada
impetuoso, com uma fatalidade sem
substância. Nada a predispunha para a hegemonia.
No entanto, é para ela que tende, não sem algumas
hesitações.
Ao contrário das outras nações, que tiveram de sofrer
toda uma série de humilhações e derrotas, a América apenas conheceu até aqui a
esterilidade de uma sorte ininterrupta.
Se no futuro tudo lhe continuar a sair igualmente bem, o
seu aparecimento terá sido um acidente sem importância. Os que presidem aos
seus destinos, os que levam a peito os seus interesses, deveriam preparar-lhes
dias maus; para deixar de ser um monstro superficial, tem necessidade de uma
provação de envergadura.
Depois de ter vivido até hoje fora do inferno, prepara-se
para descer até ele. Se quiser procurar um destino, só o poderá encontrar na
ruína de tudo o que foi a sua razão de ser.
Quanto à Rússia, não se pode examinar o seu passado sem
um calafrio, um assombro de qualidade.
Passado surdo, cheio de expectativa, de ansiedade
subterrãnea, passado de toupeiras iluminadas. A irrupção dos russos fará tremer
as nações; começaram já por introduzir o absoluto na política.
É esse o desafio que lançam a uma humanidade atormentada
pelas dúvidas e à qual não hesitarão em vibrar o golpe de misericórdia. Se nós
já não temos alma, eles têm-na para dar e vender.
Próximos das suas origens, desse universo afectivo em que
o espírito adere ainda à terra, ao sangue, à carne, sentem aquilo que pensam;
as suas verdades, como os seus erros, são sensações, estimulantes, actos.
De facto, não pensam, explodem. Ainda no estádio em que a
inteligência não atenua nem dissolve as obsessões, ignoram os efeitos nocivos
da reflexão, bem como essas agruras da consciência que a tornam factor de
desenraizamento e de anemia.
Portanto, podem avançar tranquilamente. Que têm pela
frente senão um mundo linfático? Nada á sua frente, nada de vivo que lhes possa
barrar o caminho, nenhum onstáculo: não foi um deles o primeiro a empregar, em
pleno século XIX, a palavra “cemitério” a propósito do Ocidente?
Em breve chegarão em massa para visitar os despojos. Os
seus passos são já perceptíveis pelos ouvidos delicados. Quem poderia opor às
suas superstições em marcha sequer um simulacro de certeza?
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