Sempre pensei, meu caro amigo, que, cheio de amor pela
sua terra, se aplicaria aí à arte do desprendimento, do desprezo, do silêncio.
Imagine qual não foi a minha surpresa quando ouvi dizer que se ia dedicar à
política, embora num assunto de que o creio apto, ou seja, a cultura.
No mesmo instante, vi desenhar-se na sua pessoa o futuro
monstro: o político em que se ia tornar, dizendo para comigo: “mais um que se
vai perder”.
Por pudor, o amigo absteve-se de me perguntar as razões
da minha decepção; também fui incapaz de lhas comunicar de viva voz.
“Mais um que se vai perder, mais um que se vai arruinar
devido ao seu talento”, repetia para comigo sem descanso.
Penetrando no inferno político, conheceu os respectivos artifícios e veneno; arrancado ao imediato, caricatura de si próprio, restar-lhe-ão apenas experiências formais, indirectas, se não souber arrepiar caminho a tempo: a sua pessoa desvanecer-se-á na palavra.
Tornar-se-á em mais um a ser severamente criticado,
deixando de ser os livros o tema das suas conversas.
Quanto aos literatos, deles não tirará proveito algum. Só
que será tarde de mais quando disso se der conta, após ter perdido o melhor dos
seus anos num mewio destituído de espessura e de substância.
O literato? Um indiscreto que desvaloriza as suas
misérias, as divulga, as repisa: o impudor – exibição de pensamentos reservados
– é a sua regra; ele é alguém que se oferece. Todas as formas de talento são
acompanhadas de certa sem-cerimónia, como a que usou referindo-se às facturas,
por exemplo do corte de cabelo no seu barbeiro habitual.
Distinto, é-o apenas o estéril, aquele que se apaga com o
seu segredo, porque desdenha exibi-lo: os sentimentos expressos são uma dor
para a ironia, uma bofetada no humor.
Conservar o seu próprio segredo, nada de mais frutuoso. O
segredo trabalha-o, corrói-o, ameaça-o. Mesmo quando se dirige a Deus, a
confissão é um atentado contra nós próprios, contra as energias do nosso ser.
As perturbações, as vergonhas, os medos, de que as
terapêuticas profanas ou religiosas pretendem libertar-nos, constituem um
património de que por nenhum preço deveríamos desfazer-nos.
Temos de nos defender contra os que nos curam e, ainda
que pereçamos por isso, preservar os nossos males e os nossos pecados.
Não o maço mais, limitando-me a felicitá-lo, não pela sua
doença, que o fez resignar – e o termo está na moda – e regressar à sua vida
normal e retomar as suas reais actividades sem mais pensar em carreira
política. Ah, já agora, as suas melhoras rápidas.
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