Título original: A Opus Dei na América Latina (no
mundo)
A Opus Dei atua também no
monopólio da imprensa. Controla o jornal El Observador, de Montevidéu, e
exerce influência sobre órgãos tradicionais da oligarquia como El Mercurio, no Chile, La Nación, na Argentina, e O Estado de S.Paulo, no Brasil.
O elo com a imprensa é o curso de
pós-graduação em jornalismo da Universidade de Navarra em São Paulo, coordenado
por Carlos Alberto di Franco, numerário e comentarista do Estadão e da Rádio Eldorado.
O segundo homem da Opus Dei na
imprensa brasileira é o também numerário Guilherme Doring Cunha Pereira,
herdeiro do principal grupo de comunicação do Paraná (Gazeta do Povo).
Os jornalistas Alberto Dines e
Mário Augusto Jakobskind denunciam que a organização controla também a
Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol).
Analisando a estrutura de
classes dos países latino-americanos, Darcy Ribeiro identificava como segmento
hegemônico dentro das classes dominantes o corpo de gerência das
transnacionais. Ponta de lança do imperialismo, é ele quem dita ordens e impõe
ideologias às demais fracções e, em muitos casos, organiza-as politicamente. A
desnacionalização das economias latino-americanas na década de 1990 agravou
este quadro. A alteração de mais relevo no perfil da classe dominante verificada
no bojo deste processo é o crescimento da influência da Opus Dei. Sustentada
pelo capital espanhol, a organização controla jornais, universidades, tribunais
e entidades de classe, sendo hoje peça-chave para se compreender o processo
político no continente, inclusive no Brasil, onde quer eleger Geraldo Alckmin presidente
da República.
Procissão
católica na Espanha, berço da Opus Dei
Mas o que é, afinal, a Opus
Dei (em latim, Obra de Deus)?
Em seu campo original de
atuação, é a vanguarda das tendências mais conservadoras da Igreja Católica.
“Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo” teria dito seu fundador,
Josemaria Escrivá de Balaguer, sobre o Vaticano 2º, no relato do jornalista
argentino Emilio J. Corbiere no seu livro Opus
Dei: El totalitarismo católico.
Fundada na Espanha em 1928,
a organização foi reconhecida pelo Vaticano em 1947. Em 1982, foi declarada uma
prelatura pessoal, o que, sob o direito canônico, significa que só presta
contas ao papa e que seus membros não se submetem à jurisdição dos bispos. “A
relação entre Karol Wojtyla e a Opus Dei” – conta o teólogo espanhol Juan José
Tamayo Acosta – “atinge seu êxito nos anos de 1980-1990, com a irresistível
ascensão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde
interveio altivamente, primeiro no esboço e depois na colocação em prática do
processo de restauração da Igreja católica sob o protagonismo do papa e a
orientação teológica do cardeal alemão Ratzinger”.
Fontes ligadas à Igreja
Católica atribuem o poder da Obra à quitação da dívida do Banco
Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982.
Obscurantismo e misoginia
são traços que marcam a organização. Exemplos podem ser encontrados nas
denúncias de ex-adeptos, como Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP), que recentemente escreveu junto com mais
dois ex-membros, o juiz Márcio Fernandes e o médico Dário Fortes Ferreira, o
livro Opus Dei: Os bastidores.
Em entrevista ao programa Biblioteca Sonora, da Rádio USP, Jean Lauand conta
que a Obra tem um “Index” de livros proibidos que
abrange praticamente toda a filosofia ocidental desde Descartes. Noutra
entrevista, à revistaÉpoca, Jean Lauand denuncia as estratégias de
fanatização dos chamados numerários, leigos celibatários que vivem em casas da
organização: “Os homens podem dormir em colchões normais, as mulheres têm de
dormir em tábuas. São proibidas de segurar crianças no colo e de ir a
casamentos.”
É obrigatório o uso de
cinturões com pontas de ferro fortemente atados à coxa, como prática de
mortificação que visa refrear o desejo. Mas os danos infligidos pelo fanatismo
não se limitam ao corpo. No site que mantém com outros dissidentes (clique
aqui), Jean Lauand revela que a Obra conta com médicos especialmente
encarregados de receitar psicotrópicos a numerários em crise nervosa.
A captação de numerários
dá-se entre estudantes de universidades e escolas secundárias de elite. Centros
de estudos e obras de caridade servem de fachada. A Opus Dei tem forte presença
na USP, em especial na Faculdade de Direito, onde parte do corpo docente é
composta por membros e simpatizantes, como o numerário Inácio Poveda e o
diretor Eduardo Marchi. Outro expoente da organização na USP é Luiz Eugênio Garcez
Leite, professor da Faculdade de Medicina e autor de panfletos contra a
educação mista. A Obra atua também na Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade de
Brasília (UnB).
Fazendo
a América
Mas a Opus Dei é mais que
um tema de saúde pública. Ela tem, desde a origem, uma clara dimensão política.
Durante a ditadura de Franco, praticamente fundiu-se ao Estado espanhol, ao
qual forneceu ministros e dirigentes de empresas e órgãos governamentais. No fim
da década de 1940, inicia sua expansão rumo à América Latina. Não foi difícil
conquistar adeptos entre oligarquias como as da Cidade do México, Buenos Aires
e Lima, que sempre buscaram diferenciar-se de seus povos apegando-se a um
conceito conservador de pretensa hispanidade. Um dos elementos definidores
desse conceito é exatamente o integralismo católico.
Alberto Moncada, outro
dissidente, conta em seu livro La
evolución del Opus Dei: “Os jesuítas decidiram que seu papel na América
Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então
apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los – ocasião que não hesitou
em aproveitar.”
No Brasil, a organização
deitou raízes em São Paulo no começo da década de 1950, concentrando sua
atuação no meio jurídico. O promotor aposentado e ex-deputado federal Hélio
Bicudo conta que por duas vezes juízes tentaram cooptá-lo. Seu expoente de
maior destaque foi José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) por Médici em 1972 e tio do atual governador de São
Paulo. Acontece que nos anos de 1970, o poder da Opus Dei era embrionário.
Tinha quadros em posições importantes, mas sem atuação coordenada. Além disso,
dividia com a Tradição, Família e Propriedade (TFP) as simpatias dos católicos
de extrema-direita.
Era natural, da mesma
forma, que, alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e
1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. Mas
segundo se lê no livro de Emilio J. Corbiere, sua atuação era ainda dispersa, o
que não os impediu de controlar a educação na Argentina durante o período
Onganí (1966-70).
Já no Chile, a Opus Dei foi
para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal
ideólogo do regime, Jaime Guzmá, era membro ativo da organização, assim como
centenas de quadros civis e militares.
No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid
presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre
Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.
Internacional
reacionária
A Opus Dei não criou o
reacionarismo católico, antes, teve nele sua base de cultura. Mas
sistematizou-o doutrinariamente e organizou politicamente seus adeptos de uma
forma quase militar. Hoje, funciona como uma espécie de Internacional
reacionária, congregando, coordenadamente, adeptos em todo o mundo.
Concorrem para isto, nos
anos de 1990, o ápice do poder da Obra no Vaticano e a invasão da América
Latina por transnacionais espanholas.
A Argentina entregou suas
estatais de telefonia, petróleo, aviação e energia à Telefonica, Repsol, Iberia
e Endesa, respectivamente. A Telefonica controla o setor também no Peru e em
São Paulo. A Iberia já havia engolido a LAN, do Chile, onde a geração de energia
também é controlada pela Endesa. Bancos espanhóis também chegaram ao continente
neste processo.
No Brasil, o Santander
comprou o Banespa e o Meridional, enquanto o BBVA recebeu os ativos do Excel
por meio do Proer, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
“A Opus Dei tem sido para o
modelo neoliberal o que foram os dominicanos e franciscanos para as cruzadas e
os jesuítas frente à reforma de Lutero”, compara José Steinsleger, colunista do
diário mexicano La Jornada.
A organização atua também
no monopólio da imprensa. Controla o jornal El
Observador, de Montevidéu, e exerce influência sobre órgãos tradicionais da
oligarquia como El Mercurio,
no Chile, La Nación, na
Argentina e O Estado de
S.Paulo, no Brasil. O elo com a imprensa é o curso de pós-graduação em
jornalismo da Universidade de Navarra em São Paulo, coordenado por Carlos
Alberto di Franco, numerário e comentarista doEstadão e da Rádio Eldorado. O segundo homem
da Opus Dei na imprensa brasileira é o também numerário Guilherme Doring Cunha
Pereira, herdeiro do principal grupo de comunicação do Paraná (Gazeta do
Povo). Os jornalistas Alberto Dines e Mário Augusto Jakobskind denunciam
que a organização controla também a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP,
na sigla em espanhol).
Sediada na Espanha, a
Universidade de Navarra é a joia da coroa da Opus Dei no negócio do ensino. Sua
receita anual é de €240 milhões. Além disso, a Obra controla as universidades Austral
(Argentina), Montevideo (Uruguai), de Piura (Peru), de Los Andes (Chile),
Pan-Americana (México) e Católica André Bello (Venezuela).
Dentro da igreja católica,
a Opus Dei emplacou, na última década, vários bispos e Cardeais na América
Latina. O mais notável é Juan Luís Cipriani, de Lima, no Peru, amigo íntimo da
ditadura de Alberto Fujimori. Em seu estudo “El totalitarismo católico em el
Peru”, o jornalista Herbert Mujica denuncia que, quando o Movimento
Revolucionário Tupac Amaru tomou a embaixada do Japão, em 1997, Juan Luís
Cipriani, valendo-se da condição de mediador do conflito, instalou equipamentos
de escuta que possibilitaram à polícia invadir a casa e matar os ocupantes.
Na Venezuela, a Obra teve papel essencial no fracassado
golpe de 2002 contra Hugo Chavez. Um dos articuladores da tentativa foi José
Rodriguez Iturbe, nomeado ministro das Relações Exteriores. Também participou
da articulação à embaixada da Espanha, governada na época pelo neofranquista
Partido Popular (PP).
Após os reveses na
Venezuela, as esperanças da Opus Dei voltaram-se para Joaquim Lavi, no Chile, e
Geraldo Alckmin, no Brasil, hoje seus quadros políticos de maior destaque.
Joaquim Lavi foi derrotado nas últimas eleições presidenciais chilenas em
dezembro. Resta o Brasil, onde a Obra tenta fazer de Geraldo Alckmin
presidente e formar um eixo geopolítico com os governos Álvaro Uribe (Colômbia)
e Vicente Fox (México), aos quais está intimamente associada.
Entranhas
mafiosas
Além das dimensões
religiosa e política, a Opus Dei tem uma terceira face: a de sociedade secreta
de cunho mafioso. Em seus estatutos secretos, redigidos em 1950 e publicados em
1986 pelo jornal italiano L’Expresso,
a Obra determina que “os membros numerários e
supernumerários saibam que devem observar sempre um prudente silêncio sobre os
nomes dos outros associados e que não deverão revelar nunca a ninguém que eles
próprios pertencem à Opus Dei”.
Inimiga jurada da
Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada o que frequentemente serve para
encobrir atos criminosos.
Entre os católicos, a Opus
Dei é conhecida como “Santa Máfia”. Emilio J. Corbiere lembra os casos de
fraude e remessa ilegal de divisas nas empresas espanholas Matesa e Rumasa, em
1969, onde parte dos ativos desviados financiaram a Universidade de Navarra.
Bancos espanhóis são suspeitos de lavagem de dinheiro do narcotráfico e da
máfia russa. A Opus Dei também esteve envolvida nos episódios de falência
fraudulenta dos bancos Comercial (Uruguai, pertencente à família Peirano, dona
de El Observador) e de
Crédito Provincial (Argentina).
Na Argentina, os
responsáveis pelas desnacionalizações da petrolífera YPF e das Aerolineas
Argentinas, compradas por empresas espanholas, em dois dos maiores escândalos
de corrupção da história do país, tiveram sua impunidade assegurada pela
Suprema Corte, onde pontificava Antônio Boggiano, membro da Opus Dei.
No Brasil, as pretensões de
controlo sobre o Judiciário esbarram no poder dos maçons. A Opus Dei controla,
porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo por intermédio da manipulação de
promoções. Segundo fontes do meio jurídico paulista, de 25% a 40% dos juízes de
primeira instância no estado pertencem à organização – proporção que se repete
entre os promotores – e no tribunal, a proporção sobe para 50% a 75%.
Recentemente, o tribunal,
em julgamento secreto, decidiu pelo arquivamento de denúncia contra Saulo
Castro Abreu Filho, braço direito de Geraldo Alckmin, acusado de organizar
grupos de extermínio desde a Secretaria de Segurança, e contra dois juízes
acusados de participação na montagem desses grupos.
A fusão dos tribunais de
Justiça e de Alçada, determinada pela Emenda Constitucional nº 45, foi uma
medida da equipe do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para reduzir o
poder da Obra no Judiciário paulista, cuja
orientação excessivamente conservadora, principalmente em questões criminais e
de família, é motivo de alarme entre profissionais da área jurídica.
T.
M.
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