Lembro-me de um pobre tipo que, ficando na cama até uma
hora adiantada da manhã, se dirigia a si próprio em tom imperativo: “Quer!
Quer!” A comédia repetia-se todos os dias: ele impunha-se uma tarefa que não
podia cumprir.
Pelo menos, agindo contra o fantasma que ele próprio era, desprezava as delícias da sua letargia.
Não poderíamos dizer o mesmo da Europa: tendo descoberto,
após todos os seus esforços, o reino do não-querer, rejubila, porque sabe agora
que a sua perda contém um princípio de volúpia do qual entende beneficiar.
O abandono enfeitiça-a e cumula-a. O tempo continua a
correr? Não se alarma com isso; os outros que se ocupem do caso; o problema é
deles: nem sonham que alívio pode ser atolar-se num presente que não conduz a
lado algum…
Aqui viver é a morte; alhures, o suicídio.Para onde ir? A
única parte do planeta onde a existência parecia ter alguma justificação
cobriu-se de gangrena. Esses povos arquicivilizados são os nossos fornecedores
de desespero. Para desesperar, basta olhá-los, observar o comportamento do seu
espírito e a indigência das suas cobiças enfraquecidas e quase extintas.
Depois de terem pecado por muito tempo contra a sua
origem e desprezado o selvagem, a horda – seu ponto de partida – é-lhes forçoso
constatar que já não têm a mínima gota de sangue huno.
O historiador antigo que dizia de Roma que ela já não era
capaz de suportar nem os seus vícios nem os seus remédios, definiu menos a sua
época do que antecipou a nossa.
Era grande, sem dúvida, o cansaço do Império, mas,
desordenado e inventivo, esse cansaço sabia ainda, ao menos, cultivar o
ciniswmo, o fausto e a ferocidade, enquanto o cansaço de que somos espectadores
não possui, na sua rigorosa mediocridade, nenhum prestígio criador de ilusão.
Demasiado flagrantes, demasiado certo, evoca um mal cujo
automatismo inelutável tranquilizasse paradoxalmente o paciente e o médico:
agonia em boa e devida forma, exacta como um contrato, agonia estipulada, sem
caprichos nem dilacerações, à medida de povos que, recusam também aquilo que a
justifica e fundamenta: o preconceito do devir.
Entrada colectiva no vazio! Mas não nos enganemos: este
vazio, em tudo diferente daquele que o budismo qualifica como “sede da verdade”,
não é nem realização nem libertação, nem positividade expressa em termos
negativos, nem também esforço de meditação, vontade de despojamento e de nudez,
conquista da salvação, mas deslizar sem nobreza e sem paixão.
Resultado de uma metafísica anémica, este vazio não pode sem nem recompensa de uma busca nem o coroamento de uma inquietação.
O Oriente avança na direcção do seu vazio, nele se consuma e triunfa, ao passo que nós nos atolamos no nosso e nele perdemos os nossos últimos recursos.
Decididamente, tudo se degrada e corrompe nas nossas
consciências: o próprio vazio é nelas impuro.
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