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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

«JOVENS CONCIDADÃOS, CANTAI…»



Todo o estado inspirado procede de uma inanição cultivada, deliberada.

A santidade – inspiração ininterrupta – é uma arte de se deixar morrer de fome sem… morer, um desafio lançado às entranhas, e como que uma demonstração da incompatibilidade entre o êxtase e a digestão.

Uma humanidade farta produz cépticos, nunca santos. O absoluto? Uma questão de regime.

Não há “fogo interior”, não há “chama” sem a supressão quase total do alimento. Contrariemos os nossos apetites: os nossos órgãos começarão a arder, anossa matéria incendiar-se-á. Quem come o que tem na vontade está espiritualmente condenado.

Mas, por meio de impulsos selvagens, os santos conseguiram dominar esses apetites e, portanto, conservaram-nos em segredo.

Não ignoravam que a caridade extrai a sua força dos nossos dramas fisiológicos e que tinham, para se ligarem aos seres, que declarar guerra ao corpo, que o perverter, martirizar e dominar.

Cada um deles evoca um agressor que, subitamente convertido ao amor, se aplicasse a partir de então a odiar-se.

E souberam, todos eles, odiar-se até ao fim; mas, esgotado este ódio por si próprios, viam-se livres, desprendidos de tudo o que os pudesse tolher; a ascese revelara-lhes o sentido e a utilidade da destruição, prelúdio da pureza e da libertação.

 Em seguida, revelar-nos-ão porque horrores teremos de passar se quisermos, também nós, ser livres.

Seja qual for o nível em que se desenrola a nossa vida, só será verdadeiramente nossa na proporção dos nossos esforços para quebrar as suas formas aparentes.

O tédio, o desespero, a própria abulia, poderão ajudar-nos, contanto que a experiência seja completa, que os vivamos até ao momento em que, arriscando-nos a sucumbir-lhes, nos levantamos de novo e os transformamos em auxiliares da nossa vitalidade.

Haverá coisa mais fecunda do que o pior para quem saiba desejá-lo?

Porque não é o sofrimento que liberta, mas o desejo de sofrer.

Como poderíamos ri-nos da histeria originada pela canção de Abril, “Grândola Vila Morena” – não esqueçais de cantar também “E Depois do Adeus” – que também é de Abril de 1974.

Há outras histerias não menos admiráveis, essas de onde emanaram os hinos ao Sol, ao desconhecido.

Aurora do Egipto, da Grécia, frenesim das mitologias, transportes nascidos do primeiro contacto com os elementos!

Nos antípodas de tudo isso, somos incapazes de vibrar diante do espectáculo das origens: as nossas interrogações, em lugar de se transporem vivamente em ritmos, arrastam-se nas baixezas do conceito ou surgem desfiguradas sob o riso trocista dos sistemas.

Onde está a nossa sensibilidade hímnica, a embriaguez dos nossos começos, a aurora dos nossos espantos?

Lancemo-nos aos pés da Pítia, regressemos aos nossos antigos transes: filosofia dos momentos únicos, única filosofia.

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