A
crise econômica mundial devolveu Marx aos debates. O Diário, atento, quis
ouvi-lo na série “Conversas com escritores mortos”. Incluímos na conversa, por
delicadeza, o melhor amigo de Marx, Engels, seu parceiro em muitos projetos, e
também seu financiador dedicado, leal.
Herr
Marx e Herr Engels, os senhores foram grandes intelectuais e revolucionários,
além de terem sido os fundadores da doutrina comunista. Alguns dizem que foram
até mesmo filósofos. Os senhores se consideram como tais?
Talvez um pouco, mas não
muito. Somos muito mais revolucionários do que filósofos. Os filósofos apenas
interpretaram o mundo, de várias maneiras diferentes; o ponto, no entanto, é
que não basta interpretar o mundo – é necessário mudá-lo.
E
essa, certamente, foi a intenção dos senhores.
Sim, é claro que sim. Os
comunistas, como nós, lutam para atingir os interesses e objetivos imediatos da
classe operária. Em uma palavra, em toda a parte os comunistas apoiam qualquer
movimento revolucionário contra as ordens sociais e políticas estabelecidas.
Tencionamos ascender o proletariado à classe dominante em nossa luta pela
democracia.
Hmmm…
O que o operário
assalariado obtém por sua atividade é o estritamente necessário para
garantir-lhe a sobrevivência. Queremos apenas suprimir o caráter miserável
dessa apropriação, em que o operário só vive para aumentar o capital e só vive
enquanto o exigem os interesses da classe dominante.
E
de que modo tencionam fazê-lo?
Os comunistas recusam-se a
dissimular suas concepções e seus propósitos. Proclamam abertamente que seus
objetivos só podem ser atingidos pela derrubada violenta de toda ordem social
passada.
Com
uma revolução, portanto?
Sim, e que as classes
dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. Os proletários nada têm a
perder, exceto seus grilhões. Têm um mundo a ganhar! É muito divertido pensar,
no entanto, que o último capitalista que enforcarmos será aquele que nos vendeu
a corda.
O
que os motivou a escrever o Manifesto do Partido Comunista?
Um espectro ronda a Europa
– o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa aliaram-se para
uma Santa Caçada a esse espectro: o papa e o czar, Metternich e Guizot,
radicais franceses e políticos alemães. O comunismo, portanto, já é reconhecido
como uma força por todas as forças da Europa e estava mais do que na hora de os
comunistas exporem abertamente ao mundo inteiro suas concepções, seus objetivos
e suas tendências e de contraporem à lenda do espectro do comunismo um
manifesto do partido.
O
partido foi criticado?
E como! Que partido de
oposição não foi tachado de comunista pelos adversários no poder? Os comunistas
também são recriminados por quererem suprimir a pátria, a nacionalidade. Os
operários não têm pátria – não se lhes pode tirar o que não tem.
Compreendo.
Vocês conseguiriam resumir em algumas palavras do que se trata a dita
“burguesia”? E o “proletariado”?
Por burguesia entendemos a
classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e
empregadores do trabalho assalariado. Por proletariado entendemos a classe dos
operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção,
reduzem-se a vender sua força de trabalho para que possam sobreviver.
Como
a burguesia se originou?
Ela foi inicialmente um
grupo oprimido sob o jugo dos senhores feudais. Posteriormente, na época do
surgimento da indústria, tornou-se um contrapeso à nobreza na monarquia
descentralizada ou absoluta, fundamento essencial das grandes monarquias. Com a
criação da grande indústria e do mercado mundial, a burguesia conquistou
finalmente a dominação política do moderno Estado parlamentar.
Poderíamos
dizer, então, que a burguesia desempenhou na história um papel revolucionário
decisivo?
Sim, visto que a burguesia
destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas, estilhaçando os
laços feudais que subordinavam o homem a seus superiores naturais, não deixando
subsistir entre os homens outro laço se não o interesse nu e cru, senão o frio
“dinheiro vivo”.
Como
assim?
Submergiram nas águas
glaciais do cálculo egoísta os frêmitos sagrados da piedade exaltada, do
entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno burguês, reduzindo a
dignidade pessoal a valor de troca. Em resumo, a burguesia rasgou o véu de
emoção e de sentimentalidade das relações familiares e reduziu-as a mera
relação monetária.
Mas
a dita piedade exaltada, o entusiasmo cavalheiresco e todas essas coisas não
eram nada mais do que farsas, eram?
Exatamente, e é por isso
que podemos afirmar que a burguesia substituiu a exploração disfarçada sob
ilusões religiosas e políticas pela exploração aberta, cínica, direta e brutal.
Por
falar em religião, Herr Marx, você nunca foi um grande entusiasta desta, não é
mesmo?
A religião é o ópio do
povo.
Como
assim?
A religião é o suspiro das
criaturas oprimidas, o coração de um mundo insensível e a alma das condições
desalmadas. A abolição da religião como a felicidade ilusória das pessoas é a
demanda para a verdadeira felicidade delas.
Entendo
perfeitamente. Por vezes, penso nas monarquias e então na burguesia – e me
pergunto se a última aboliu as classes hierárquicas existentes na primeira.
Isso aconteceu, senhores?
Tentaremos explicar
brevemente. Na Roma Antiga, temos patrícios, cavaleiros, plebeus e escravos; na
Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres de corporação, oficiais e
servos. A sociedade burguesa moderna, oriunda do esfacelamento da sociedade
feudal, não supriu a oposição de classes. Limitou-se a substituir as antigas
classes hierárquicas por novas classes, por novas condições de opressão, por
novas formas de luta. E cada vez mais a sociedade inteira divide-se em dois
grandes blocos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente:
a burguesia e o proletariado.
Eu
compreendo plenamente o fato de os senhores adotarem os interesses proletários.
Ainda assim, gostaria de saber se veem algum mérito nas ideias e realizações
burguesas?
Sim. A burguesia foi quem
primeiro mostrou quão capaz é a atividade humana. Realizou maravilhas
superiores às pirâmides egípcias, aos aquedutos romanos e às catedrais góticas.
Levou a cabo expedições maiores que as grandes invasões e as Cruzadas. Em
apenas um século de sua dominação de classe, a burguesia criou forças de
produção mais imponentes e mais colossais que todas as gerações precedentes
reunidas.
E
como isso foi feito?
Controlando cada vez mais a
dispersão dos meios de produção da propriedade e da população. Aglomerando a
população, centralizando os meios de produção e concentrando a propriedade em
poucas mãos.
E
os senhores consideram necessária a luta contra essa burguesia?
Naturalmente. As armas que
a burguesia usou para abater o feudalismo voltam-se agora contra ela mesma. Mas
a burguesia não forjou apenas as armas que lhe darão a morte; também engendrou
os homens que empunharão essas armas, aqueles que chamamos de proletários, de
quem já falamos.
Os
senhores disseram que os proletários são aqueles que devem vender a força de
trabalho para poderem sobreviver, uma vez que os meios de subsistência estão
concentrados nas mãos dos capitalistas. É isso?
Sim, e deve-se ressaltar
que os operários são uma mercadoria como qualquer outro artigo do comércio e,
portanto, estão igualmente sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a
todas as flutuações do mercado.
Como
assim, vicissitudes da concorrência?
A concorrência crescente
dos burgueses entre si e as crises comerciais, que daí resultam, tornam o
salário dos operários sempre mais instável. Fora isso, o aperfeiçoamento
incessante e sempre mais rápido do maquinismo torna sua situação cada vez mais
precária. Por conseguinte, à medida que o trabalho se torna mais degradante, o
salário decresce.
E
quais são as principais reivindicações do proletariado?
Que certos interesses
particulares dos operários sejam reconhecidos pela burguesia sob forma de leis.
Por exemplo, a lei da jornada de dez horas na Inglaterra.
Alguns
aristocratas se posicionaram a favor da burguesia no momento em que viram que
esta iria triunfar. Os senhores acham que burgueses passarão para o lado dos
proletários caso considerem provável que eles vençam na luta entre as classes?
Sim. Isso acontece porque
nos momentos em que a luta entre classes aproxima-se do auge, o processo de
dissolução no interior da classe dirigente assume um caráter tão violento, tão
áspero que uma pequena parte da classe dirigente desvincula-se desta e junta-se
à classe revolucionária, à classe que tem o futuro nas mãos. Assim como outrora
parte da nobreza passara para a burguesia, parte da burguesia passa agora para
o proletariado, especialmente uma parte dos ideólogos burgueses que chegaram à
compreensão teórica do conjunto do movimento histórico.
Então
a luta do proletariado por seus direitos irá desesperar os burgueses, sim?
É claro que sim – o
proletariado, a camada mais baixa de sociedade atual, não pode erguer-se,
recuperar-se, sem estilhaçar toda a superestrutura de estratos que constituem a
sociedade oficial e consequentemente desesperar os que pretendem que a
sociedade continue do modo que está.
Herr
Marx e Herr Engels, uma das frases mais célebres do Manifesto do Partido Comunista é a seguinte: “A
existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade”. Como assim?
Até os dias de hoje, todas
as sociedades repousaram, como vimos, no antagonismo entre classes opressoras e
oprimidas. Mas, para se oprimir uma classe, é necessário assegurar-lhes
condições para que se torne possível, no mínimo, prolongar sua existência
servil. O operário moderno, no entanto, em vez de elevar-se com o progresso da
indústria, decai cada vez mais – abaixo das condições de sua própria classe. O
operário transforma-se em indigente, e a miséria cresce mais rápido do que a
população e a riqueza. É por isso que dizemos que a sociedade não pode mais
existir sob o domínio dos capitalistas, isto é, a existência da burguesia não é
mais compatível com a sociedade.
Para
finalizarmos, meus senhores, vocês podem diferenciar as aspirações da sociedade
burguesa das aspirações da sociedade comunista?
Na sociedade burguesa, o
trabalho vivo é apenas um meio para multiplicar o trabalho acumulado. Na
sociedade comunista, o trabalho acumulado é apenas um meio para aumentar,
enriquecer, fazer avançar a existência dos operários.
T.
M.
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