Fenómeno social de
múltiplas origens, a mendicidade permite traçar, pelos contornos que delimita e
pelas relações que estabelece, a progressão do desenvolvimento económico do
país e as suas descontinuidades e, ainda, em termos de mentalidade,necessariamente
ambivalente, porque o reflexo do posicionamento diferenciado da sociedade e dos
grupos resistentes à socialização, os movimentos oscilatórios e os conteúdos
éticos que presidiram ao complexo histórico-geográfico português.
Associada a fomes,
calamidades naturais, guerras, miséria, doença, desemprego, parasitismo e
consumo de drogas, o quadro em que se move a mendicidade é o duma sociedade
dilacerada pelas suas contradições, uma assumpção imperfeita e imobilista do seu
devir histórico e das virtuais potencialidades.
Note-se, porém, que se as
condições se agravam no sentido do alastramento da mendicidade, de que são
exemplo múltiplas medidas legislativas repressivas, sinónimo, em última
instância, não só da continuidade como da sua ineficácia no controlo duma
realidade de implicações profundas, tal não supõe a sua inocuidade noutros períodos.
Tem havido demasiadas
crises em Portugal, sempre ou quase sempre ligadas ao liberalismo capitalista e
ao desprezo a que são lançados os cidadãos menos favorecidos, a que muito
poucos ligam importância e se desdobram em tentativas de os auxiliar como podem
e ou sabem, perante a uma mais que estranha apatia por parte das autoridades
governativas.
Assistimos a uma
hipertrofia nacional, em que a busca de emprego se torna já numa verdadeira
utopia, devido a que se tenha perdido a consciência sobretudo a relacionada com
os mais pobres e carentes, valendo muito certas movimentações de solidariedade
por parte de certos estratos sociais, que nem são os mais abastados, que esses
se tornam cada vez mais agarrados aos seus haveres, criticando tudo e todos os
que dedicam parte dos seus bens e o seu tempo a prestar auxílio aos
marginalizados por uma sociedade acéfala e egoísta.
Durante anos cultivou-se o
individualismo, através de contratos de trabalho que antes eram colectivos,
começou a olhar-se cada vez mais para o próprio umbigo e a olhar para o outro
lado quando surgia alguém de mão estendida ou a dizer ter fome.
Por vezes, vestidos de
andrajos e de certo modo dependentes de hidrofobia grave, completamente
explicada pela pose da única roupa que lhes cobre os esqueléticos corpos,
rejeitados por todos e só lembrados em tempo pré-eleitoral, a quem se recusa
uma esmola, pela simples razão de que «se desconhece em que irá aplicar os
cinquenta cêntimos que lhes dariam», como se no meio disto tudo nõ fosse a
intenção de ajudar o seu semelhante o mais importante.
Na sua tendência económica
regressiva, devido aos açambarcamentos de capital e de transferências para os
designados paraísos fiscais pelos mais ricos e poderosos, Portugal está hoje a
braços com uma enorme quantidade de pessoas que se vêm obrigadas a recorrer à
mendicidade na tentativa de satisfazerem algum dos mais elementares direitos
humanos, como a fome.
Depois ainda,alguns falam
– e não são gagos – de equidade e de mais justiç social – como se se tratasse
dum qualquer produto que se adquirisse
num supermercado.
Quão bem fariam em
manter-se calados, o que evitaria a exibição de tamanhas hipocrisias que,
vindas de lá de cima, só podem ficar mal.
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