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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

«A MENDICIDADE»


Fenómeno social de múltiplas origens, a mendicidade permite traçar, pelos contornos que delimita e pelas relações que estabelece, a progressão do desenvolvimento económico do país e as suas descontinuidades e, ainda, em termos de mentalidade,necessariamente ambivalente, porque o reflexo do posicionamento diferenciado da sociedade e dos grupos resistentes à socialização, os movimentos oscilatórios e os conteúdos éticos que presidiram ao complexo histórico-geográfico português.

Associada a fomes, calamidades naturais, guerras, miséria, doença, desemprego, parasitismo e consumo de drogas, o quadro em que se move a mendicidade é o duma sociedade dilacerada pelas suas contradições, uma assumpção imperfeita e imobilista do seu devir histórico e das virtuais potencialidades.

Note-se, porém, que se as condições se agravam no sentido do alastramento da mendicidade, de que são exemplo múltiplas medidas legislativas repressivas, sinónimo, em última instância, não só da continuidade como da sua ineficácia no controlo duma realidade de implicações profundas, tal não supõe a sua inocuidade                noutros períodos.

Tem havido demasiadas crises em Portugal, sempre ou quase sempre ligadas ao liberalismo capitalista e ao desprezo a que são lançados os cidadãos menos favorecidos, a que muito poucos ligam importância e se desdobram em tentativas de os auxiliar como podem e ou sabem, perante a uma mais que estranha apatia por parte das autoridades governativas.

Assistimos a uma hipertrofia nacional, em que a busca de emprego se torna já numa verdadeira utopia, devido a que se tenha perdido a consciência sobretudo a relacionada com os mais pobres e carentes, valendo muito certas movimentações de solidariedade por parte de certos estratos sociais, que nem são os mais abastados, que esses se tornam cada vez mais agarrados aos seus haveres, criticando tudo e todos os que dedicam parte dos seus bens e o seu tempo a prestar auxílio aos marginalizados por uma sociedade acéfala e egoísta.

Durante anos cultivou-se o individualismo, através de contratos de trabalho que antes eram colectivos, começou a olhar-se cada vez mais para o próprio umbigo e a olhar para o outro lado quando surgia alguém de mão estendida ou a dizer ter fome.

Por vezes, vestidos de andrajos e de certo modo dependentes de hidrofobia grave, completamente explicada pela pose da única roupa que lhes cobre os esqueléticos corpos, rejeitados por todos e só lembrados em tempo pré-eleitoral, a quem se recusa uma esmola, pela simples razão de que «se desconhece em que irá aplicar os cinquenta cêntimos que lhes dariam», como se no meio disto tudo nõ fosse a intenção de ajudar o seu semelhante o mais importante.

Na sua tendência económica regressiva, devido aos açambarcamentos de capital e de transferências para os designados paraísos fiscais pelos mais ricos e poderosos, Portugal está hoje a braços com uma enorme quantidade de pessoas que se vêm obrigadas a recorrer à mendicidade na tentativa de satisfazerem algum dos mais elementares direitos humanos, como a fome.

Depois ainda,alguns falam – e não são gagos – de equidade e de mais justiç social – como se se tratasse dum  qualquer produto que se adquirisse num supermercado.

Quão bem fariam em manter-se calados, o que evitaria a exibição de tamanhas hipocrisias que, vindas de lá de cima, só podem ficar mal.

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