Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

«POLÍTICA: SERVENTE DA ECONOMIA»


Os danos são longínquos e os hábitos ancestrais, pois encontramos na Antiguidade matéria que nos faz compreender o que fundamenta esta religião da economia. Ela supõe a primazia da mercadoria sobre o homem e poder-se-ia chamar síndrome de Hecatão ao princípio desta doença particular.

Precisemos: único Tratado sobre os deveres, perdido mas comentado e criticado por Cícero. Hecatão ensinava que entre a salvação de um terceiro e a conservação do nosso próprio interesse devemos sempre optar pela segunda solução.

Por exemplo, em caso de penúria, devemos primeiro dar de comer aos nossos escravos, arriscando-nos a pôr em perigo os nossos próprios proveitos, meios de produção ou a nossa quantidade de bens? Ou devemos querer o contrário? Se casualmente nos encontramos no alto mar, num barco que mete água por estar demasiadamente carregado, se formos obrigados a ter de escolher entre sacrificar um cavalo de raça nobre ou um escravo de pouco valor, quem devemos largar pela borda fora?

Hecatão responde sem pestanejar: é preciso preferir o interesse pessoal à humanidade. Água e pão seco para o escravo, antes de passá-lo pela amurada do navio na próxima viagem. Deste modo o proprietário poderá dormir descansado, não muito longe dos seus dracmas e da sua pileca preferida. Ao escravo cabe-lhe regressar à fileira dos danados da terra, antes de ser lançado para o Aqueronte.

O síndrome de Hecatão atinge os que praticam a economia como uma actividade separada e que entendem como a ciência dos bens, das riquezas, que excluiu o homem e a humanidade dos seus objectos de estudo, das suas preocupações.

Pior ainda: é também aquilo de que padecem os que crêem que a actividade económica se pode praticar apesar dos homens, até mesmo contra eles e o seu bem-estar.

Primado generalizado do ter sobre o ser, prioridade cardeal aos interesses, aos benefícios, às vantagens obtidas em espécies líquidas sobre qualquer outro valor, eis o que faz do aluno de Panetius de Rodes um percursor, um Calliclés da economia que fez fortuna através das eras, dos séculos.

Nesta ordem de ideias, a economia vem primeiro e só depois vem a política, ao seu serviço. Primeiramente o dinheiro e a conservação das riquezas materiais existentes, em seguida o que restar. Nada, a maior parte do tempo.

A ética das empresas ou dos empreendedores, a moral dos industriais ou dos proprietários, a axiomática dos produtores ou dos capitalistas, as virtudes dos economistas ou dos banqueiros, eis o rosário de oxímoros.

Na realidade, a nossa época celebra a prática da economia como uma actividade separada, até como uma disciplina que exclui as demais – a política tanto como a ética.

Daí o talento gasto por essas pessoas para povoar e semear as terras infernais.

O síndrome de Hecatão mostra, profundamente, como em matéria de fundação de tudo o que é essencial numa civilização, o inaugural é fundado sobre um sacrifício e a sua duração assegurada por um holocausto continuamente reiterado.

O sacrifícoo e o holocausto têm como vítimas designadas, imolados em sacrifícios e fetiches proprietários,, todos os que são destruídos no sistemade produção.

Quem calculará um dia, as dores, os tormentos, os males, os sofrimentos, as torturas, as mutilações, as doenças? Quem marcará o ponto das danações, das exclusões e das condenações? Quem falará das sentenças de morte, das sangrias e das carnificinas que são devidas a esta religião da economia separada?

Sem comentários:

Enviar um comentário