Após tanta fraude e impostura, é reconfortante
contemplar um mendigo. Ele, ao menos, não mente aos outros nem a si próprio: a
sua doutrina, se é que a tem, encarna-a; não gosta do trabalho e demonstra-o;
como nada deseja possuir, cultiva o seu despojamento, condição da sua liberdade.
O seu pensamento resolve-se no seu ser, e o seu
ser no seu pensamento.
Falta-lhe tudo, é ele próprio, dura: viver
imediatamente a eternidade é viver apenas um dia de cada vez.
Por isso, para ele, os outros são presa da
ilusão. Se depende deles, vinga-se observando-os, especialista que é do reverso
dos sentimentos “nobres”.
A sua preguiça, de uma qualidade muito rara, faz
dele um ser verdadeiramente “liberto”, perdido num mundo de gente tola e
iludida. Sabe mais sobre a renúncia do que a maior parte dessas obras
esotéricas.
Para os convencer disso, basta sair à rua… Mas
não! É preferível exercitar os textos que pregam a mendicidade, como também as
práticas, políticas e de uma sociedade hipócrita – a capitalista ofensiva.
Como nenhuma consequência prática acompanha as
libertações dos capitalistas, não é de admirar que o último dos mendigos valha
mais que eles todos juntos.
Poderia conceber-se o Buda fiel às suas verdades
e aos palácios? Não se pode ser “liberto-vivo” e proprietário.
Insurjo-me contra a generalização da mentira,
contra aqueles que ostentam a sua pretensa “salvação” e a esteiam numa doutrina
que não emana do fundo do seu ser.
Desmascará-los, fazê-los descer do pedestal a que
se alçaram, pô-los no pelourinho, eis uma campanha a que ninguém deveria ficar
indiferente.
Porque é preciso, a todo o preço, impedir aqueles
que têm demasiado boa consciência de viver e morrer em paz.
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