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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

«O REENCANTAMENTO DO MUNDO»

















O desencanto do mundo estrutura a religião niilista da nossa época. Que existam fossas, infernos e danados, que se encontrem continuamente misérias e excluídos, pobres e escravos, eis o que provoca a comunhão da maioria de um desespero que desemboca no refúgio dentro de si mesmo.

Este modelo de encarquilhamento parece permitir esperar pela passagem da catástrofe, desde que ela nos poupe. Os niilistas, quaisquer que sejam, fazem sempre o jogo dos actores em palco, que vêem nas carpideiras aliados negativos, menos perigosos que aqueles cujo voluntarismo define a utopia menos como algo de irrealizável do que aquilo que ainda não foi realizado.

Nada ignoro das fossas soviéticas, dos paraísos radiosos do amanhã que estão na origem dos infernos de hoje; conheço os crânios acumulados em pirâmides pelo regime dos Khmers vermelhos, os ossários escondidos nos arrozais como estacas de uma Veneza macabra.

Como também não apaguei da minha memória as fossas nas quais foram precipitados os oficiais polacos, ou aquelas emque os antigos comunistas sérvios foram buscar o reconforto de um nacionalismo à sua medida.

Não esqueci, também, todas as perseguições havidas em Portugal durante meio século aos opositores ao regime salazarista, às mortes e obscuros desaparecimentos de pessoas que lutaram contra essa ditadura, como de modo algum posso esquecer o que hoje se passa também neste país, que é o meu, mas cuja política de forma alguma é a minha.

Ora, mais que qualquer outro, um homem de esquerda deve saber o que as tragédias do século passado e as já deste, foram buscar ao seu ideal. De modo que se trata de formular,para hoje, um pensamento preocupado em tornar impossível o que o justificou, legitimou e possibilitou todos esses períodos negros como o inferno.

Também desejo pensar à esquerda de todos os que têm como lema acabar com a propriedade privada.

Logo após as formulações deste desejo por Cracchus Babeuf pôde ler-se, em contraponto inseparável a esta proposta, o convite, feito pelo próprio autor da Tribuna do Povo, para instalar “barreiras eriçadas de obstáculos” entre o Portugal revolucionário e os seus vizinhos, a fim de evitar o “contágio dos maus exemplos”.

Ora, à esquerda, poucos fizeram um elogio da liberdade que fosse secundado por uma crítica da autoridade e do autoritarismo sob todas as suas formas.

Da mesma maneira, fugindo às opções mais uniformizadoras que igualitárias dos comunistas, fossem eles poetas à maneira de Fourier, ou neo-cinetíficos à maneira de Marx, Proudhon manteve a pequena propriedade privada no seu projecto de sociedade anarquista.

É óbvio que esta presciência valeu-lhe ter passado como o defensor dos pequeno-burgueses aos olhos dos que se encontravam coarctados, devido às suas preferências, a erguerem as barreiras eriçadas de obstáculos que já conhecemos.

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