Tantas conquistas,
aquisições, ideias, onde se irão perpetuar? Na Rússia? Na América do Norte? Uma
e outra já tiraram as suas conclusões do pior da Europa… A América Latina? A
África do Sul? A Austrália?
É nessas paragens
que, ao que parece, devemos esperar ser rendidos. Sucessão caricatural.
Se na ordem do
espírito, quisermos pesar os sucessos obtidos do Renascimento até aos nossos
dias, não nos demoraremos nos da filosofia,um vez que a filosofia ocidental
em nada é superior à grega, à hindu ou à chinesa.
Quando muito,
é-lhes comparável sob certos aspectos.
Como não representa
senão uma variedade do esforço filosófico em
geral, poderíamos em rigor dispensá-la e opor-lhe as meditações de
Çankara, de um Lao-Tse, de um Platão.
O mesmo não
acontece com a música, essa grande desculpa do mundo moderno, fenómeno sem
paralelo em qualquer tradição.
Onde encontraríamos
o equivalente de um Monteverdi, de um Bach, de um Mozart?
É através dela que
o Ocidente revela a sua fisionomia e atinge a profundidade.
Se não criou nem
uma sabedoria, nem uma metafísica que lhe sejam verdadeiramente próprias, nem
mesmo uma poesia da qual possamos dizer que é sem precedente, deixou, em compensação,
nas suas projecções musicais, toda a sua força de originalidade, toda a sua
subtileza, todo o seu mistério e toda a sua capacidade de inefável.
Pôde amar a razão
até à perversidade; o seu verdadeiro génio foi, todavia, um génio afectivo. O
mal que mais honra? A hipertrofia da alma.
Sem a música, não
teria produzido senão um estilo de civilização banal, previsível…
No seu balanço
final, só a música dará testemunho de que não se arruinou em vão, de que havia
realmente algo a perder.
Acontece por vezes
ao homem escapar às perseguições do desejo, à tirania do instinto de
conservação. Lisonjeado com a perspectiva de falhar, sapa a própria vontade, esmera-se na apatia,
ergue-se contra si próprio e invoca o seu génio do mal.
Afadigado, presa de
mil actividades que o prejudicam, descobre um dinamismo cujos atractivos não
suspeitaria: o dinamismo da desagregação. Sente-se muito orgulhoso do facto:
poderá enfim renovar-se à sua custa.
No mais íntimo dos
indivíduos como das colectividades, habita uma energia destruidora que lhes
permite ruir com certo brio: exaltação ácida, euforia do aniquilamento!
Entregando-se-lhes,
esperam sem dúvida curar-se dessa doença que é a consciência. E, de facto, todo
o estado consciente nos extenua, nos esgota, conspira para o nosso desgaste;
quanto maior é o seu império sobre nós, mais gostaríamos de nos reintegrar na
noite que precedia as nossas vigílias,
de mergulhar no repouso anterior às maquinações, ao atentado do “Eu”.
Aspiração de
espíritos turtuosos e que explica como, em certas épocas, o indivíduo,
exasperado por estar sempre a tropeçar em si próprio, sempre a ruminar a sua
diferença, se volta para esses tempos em que, formando um só ser com o mundo,
não abandonara ainda a companhia dos seres nem degenerara em homem.
Avidez e horror da
consciência, a História traduz ao mesmo
tempo o desejo que um animal enfermo tem de realizar a sua vocação e o medo que
sente de o conseguir. Medo justificado: que desgraça o espera no termo da sua
aventura!
Não viveremos um
desses momentos em que, num dado espaço, teremos que assistir à sua última
metamorfose?
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