A expiação é
exigida para aquele que, culpado de improdutividade, preferiu a facilidade dos
vícios que transgridem as virtudes da humildade, da doçura, da pobreza
desejada, da temperança e outros enfeites éticos aos quais recorrem os
profissionais do adestramento social.
A prisão
equivalerá ao hospício, ao asilo, ao hospital: ocasiões para desactivar as
energias catalogadas como negativas em relação aos dogmas da religião
comunitária, ou então locais onde se tratam e se gerem essas pretensas
patologias sociais que estorvam o bom andamento, rentável, da máquina gregária.
Espantosamente,
os rejeitados deste girão, definido pelo encarceramento dos corpos
improdutivos, são assistidos na proporção inversa à que se poderia esperar de
uma tentativa de reintegração por parte do corpo social.
Nunca se
volta a encontrar a juventude e, às vezes, a razão, e na maioria dos casos não
se recupera a saúde, mas, se se quiser, volta a recuperar-se a moralidade.
E, contudo,
só aqueles que estão irremediavelmente condenados é que concentram as
solicitações benevolentes extremas, ao mesmo título que os loucos incuráveis ou
os doentes condenados a morrer a curto prazo.
“Parqueados”,
expulsos do sistema, encontram-se como que à margem deste, num inferno dourado.
Inversamente,
os delinquentes encarcerados são objecto de penas desproporcionadas que
procurram, na maioria dos casos, o puro castigo, a humilhação nua e a expiação
seca, em detrimento de qualquer reinserção possível ou imaginável, emoposição
ao que deveriam ser os processos ou preocupações de reintegração social.
Promiscuidades, defecções comunitárias, privação da sexualidade, ofensas às regras elementares de higiene, obrigação de viver uma vida colectivista, submissão de qualquer vontade de toda a liberdade, autonomia e independência ao princípio da autoridadee que legisla tudo e todas as coisas.
O tempo e o
espaço são divididos em parcelas como os territórios animais, com a interdição
de serem utilizados de maneira diferente daquela que o regulamento estipulou.
Uma única
utilização inapropriada dos códigos implicará o adestramento, para sempre, numa
instituição aparentada às mais retrógradas. Como se desejasse fazer pagar
àquele que não tem por onde escolher e que age em virtude de um tropismo de
necessidade, o mau uso de um corpo e de uma vontade,, que poderiam ser
encaminhados para a submissão social.
Daí concluo
que se pune a livre vontade, tomando como pretexto o objecto de que ela terá
eleito sem se preocupar com os hábitos, pois na realidade “os senhores” não
suportam o seu exercício puro e simples daquilo que promulgaram.
O girão dos
corpos improdutivos supõe o encalusuramento e o registo carceral, a sociedade
fechada e a detenção dentro de micro-sociedades onde reinam regulamentos
próprios – chamados “internos” – por vezes em contradição com os do exterior:
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aos direitos positivos do
idoso senil, do louco, do doente ou do prisioneiro, existe uma distância
considerável.
Neste desfasamento,
neste corte, nesta abertura, instala-se a miséria que disse caracterizar os
rejeitados, tratados como provas da existência de patologias sociais que também
têm uma outra modalidade: já não a dos corpos improdutivos e fechados, mas a
das forças improdutivas e errantes.
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