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domingo, 10 de fevereiro de 2013

«DISTRIBUIÇÃO PELOS MOÇOS DA ESTREBARIA LUSITANA»


A expiação é exigida para aquele que, culpado de improdutividade, preferiu a facilidade dos vícios que transgridem as virtudes da humildade, da doçura, da pobreza desejada, da temperança e outros enfeites éticos aos quais recorrem os profissionais do adestramento social.

A prisão equivalerá ao hospício, ao asilo, ao hospital: ocasiões para desactivar as energias catalogadas como negativas em relação aos dogmas da religião comunitária, ou então locais onde se tratam e se gerem essas pretensas patologias sociais que estorvam o bom andamento, rentável, da máquina gregária.

Espantosamente, os rejeitados deste girão, definido pelo encarceramento dos corpos improdutivos, são assistidos na proporção inversa à que se poderia esperar de uma tentativa de reintegração por parte do corpo social.

Nunca se volta a encontrar a juventude e, às vezes, a razão, e na maioria dos casos não se recupera a saúde, mas, se se quiser, volta a recuperar-se a moralidade.

E, contudo, só aqueles que estão irremediavelmente condenados é que concentram as solicitações benevolentes extremas, ao mesmo título que os loucos incuráveis ou os doentes condenados a morrer a curto prazo.

“Parqueados”, expulsos do sistema, encontram-se como que à margem deste, num inferno dourado.

Inversamente, os delinquentes encarcerados são objecto de penas desproporcionadas que procurram, na maioria dos casos, o puro castigo, a humilhação nua e a expiação seca, em detrimento de qualquer reinserção possível ou imaginável, emoposição ao que deveriam ser os processos ou preocupações de reintegração social.

Promiscuidades, defecções comunitárias, privação da sexualidade, ofensas às regras elementares de higiene, obrigação de viver uma vida colectivista, submissão de qualquer vontade de toda a liberdade, autonomia e independência ao princípio da autoridadee que legisla tudo e todas as coisas.

O tempo e o espaço são divididos em parcelas como os territórios animais, com a interdição de serem utilizados de maneira diferente daquela que o regulamento estipulou.

Uma única utilização inapropriada dos códigos implicará o adestramento, para sempre, numa instituição aparentada às mais retrógradas. Como se desejasse fazer pagar àquele que não tem por onde escolher e que age em virtude de um tropismo de necessidade, o mau uso de um corpo e de uma vontade,, que poderiam ser encaminhados para a submissão social.

Daí concluo que se pune a livre vontade, tomando como pretexto o objecto de que ela terá eleito sem se preocupar com os hábitos, pois na realidade “os senhores” não suportam o seu exercício puro e simples daquilo que promulgaram.

O girão dos corpos improdutivos supõe o encalusuramento e o registo carceral, a sociedade fechada e a detenção dentro de micro-sociedades onde reinam regulamentos próprios – chamados “internos” – por vezes em contradição com os do exterior: da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aos direitos positivos do idoso senil, do louco, do doente ou do prisioneiro, existe uma distância considerável.

Neste desfasamento, neste corte, nesta abertura, instala-se a miséria que disse caracterizar os rejeitados, tratados como provas da existência de patologias sociais que também têm uma outra modalidade: já não a dos corpos improdutivos e fechados, mas a das forças improdutivas e errantes. 


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