Para ser definida como uma alquimia canibal submetendo o
político, como expoente da patologia manifestada pelo síndrome de Hecatão e que
se substitui a qualquer outra religião, como proveniente do sacrifício e do
holocausto reiterados, como vivendo da luta de classes e gerando a máxima
alienação, a economia capitalista, sob a sua forma actual, cibernética e
planetária, nem por isso é menos o reflexo de uma metafísica que subentende,
como se encontraram submetidas todas as variantes registáveis do modo de
produção capitalista das riquezas.
A economia decorre de superestrutura ideológica e não é,
em nada, uma infra-estrutura separada, motriz do mundo, na sua totalidade.
Antes de chegar a uma proposta liberatória apoiada por
uma mística de esquerda, gostaria de tentar dizer de que modo a economia, esta “ciência
do lúgubre”, segundo as palavras de Carlyle, sempre gerou as suas mitologias a
partir dos pensamentos dominantes da época ou das ideologias melhor adaptadas
para permitir a justificação teórica (se não ontológica), do mercado livre e da
concorrência, da divisão do trabalho, da submissão de uma classe aos interesses
de outra, da teologia radiosa e da harmonia preestabelecida, da mão invisível e
dos paraísos anunciados para o amanhã.
O conjunto contribuiu para a formação de uma metafísica
da necessidade impiedosa, que trouxe para o seu lado a quase totalidade dos
economistas, nem que fossem aparentemente opostos, como Adam Smith e Karl Marx.
Para propor uma outra maneira de encarar a economia,
tratar-se-á de avançar com as bases de uma outra visão do mundo – e, para um
edifício libertário susceptível de ser arrematado por ideais humanos, será
preciso uma mística atenciosa e conforme.
Antes, e para propor uma genealogia ontológica da
modernidade económica, gostaria de recorrer à constelação cartesiana e, mais
particularmente, para começar, aos avanços que foram permitidos ao grande
século, graças ás conclusões e aos grandes temas do Discurso do Método.
O catolicismo recua sob os assaltos do pensamento
reformista e da ascendência potencial de uma filosofia laica, em vias de
substituir a teologia católica toda-poderosa. Antes dele, Montaigne prepara o
advir do sujeito moderno, mas é Descartes que vai provocar a sua nascença,
assisti-lo, e dar uma identidade àquele eu que se constitui em oposição a Deus.
Deste modo podemos perspectivar a relação inversamente proporcional
que liga o esboroamento do catolicismo com a elaboração das condições para as
possibilidades daquilo a que se chama o economicismo, esse monstro híbrido que
faz da economia uma religião.
Progresso do ateísmo, desaparição de Deus, aparecimento da
economia e da teologia das riquezas triviais, eis o movimento que vai
possibilitar a cristalização dos fervores e dos cultos prestados ao dinheiro.
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