Que a rebelião goze de uma honorabilidade indevida, basta
para disso nos persuadirmos reflectir no modo como são qualificados os
espíritos que lhe não são propensos. Chmo-lhes fouxos.
É quase certo que estamos fechados a todas as formas de
sabedoria, porque vemos nelas apenas uma frouxidão transfigurada. Por muito
injusta que seja semelhante reacção, não posso impedir-me de a ter a propósito
do próprio taoísmo.
Embora saiba que ela recomenda o apagamento e o abandono
em nome do absoluto e não da cobardia, recuso-o no preciso momento em que julgo
tê-lo adoptado; e apesar de dar mil vezes razão a Lao-Tsé, compreendo melhor um
assassino.
Entre a serenidade e o sangue, é para o sangue que é
natural inclinarmo-nos. O assassínio pressupõe e coroa a revolta; aquele que
ignora o desejo de matar, poderá professar opiniões subversivas, porém nunca
passará de um conformista.
Sabedoria e rebelião: dois venenos. Incapazes de os
assimilarmos ingenuamente, não encontramos nem numa nem outra uma fórmula de salvação.
Não deixa de ser verdade que, na aventura luciferina,
adquirimos uma mestria que jamais possuiremos na sabedoria. Para nós, a própria
percepção é sobressalto, começo de transe ou de apoplexia. Perda de energia,
vontade de gastar as nossas disponibilidades.
Insurgir-se perante todas as coisas comporta uma
irreverência para consigo próprio, para com as próprias forças. Onde iríamos
buscar forças para a contemplação, essa despesa estática, essa concentração na
imobilidade? Deixar as coisas na mesma, olhá-las sem as querer moldar, apreender
a sua essência, nada de mais hostil à orientação do nosso pensamento:
aspiramos, pelo contrário, a dar-lhes forma, a torturá-las, a emprestar-lhes as
nossas raivas.
E assim deve ser: idólatras do gesto, do jogo e do
delírio, amamos os que arriscam tudo, tanto na poesia como na filosofia.
Não há saída para aquele que, ao mesmo tempo, ultrapassa
o tempo e nele se atola, que atinge por entre sobressaltos a sua última solidão
e, porém, se afunda na aparência.
Indeciso, dividido, arrastar-se-á como doente da duração,
exposto simultaneamente às atracções do devir e do intemporal.
Nada de viável pode nascer de uma meditação de
circunstância, de uma reflexão sobre o acontecimento. Notras idades mais
felizes, os espíritos podiam delirar livremente, como se não pertencessem a
época alguma, emancipados que estavam do terror da cronologia, abismados num
momento do mundo que, para eles, se confundia com o próprio mundo.
Sem se preocuparem com a relatividade da sua obra,
consegravam-se-lhe inteiramente.
Estupidez genial, para sempre passada, exaltação fecunda
que a consciência dividida em nada comprometia. Adivinhar ainda o intemporal e
saber, porém, que somos tempo, que produzimos tempo, conceber a ideia de
eternidade e acarinhar o nosso nada; irrisão de onde emergem tanto as nossas
rebeliões como as dúvidas que alimentamos acerca delas.
Procurar o sofrimento para evitar a redenção, seguir ao
contrário o caminho da libertação, tal é o nosso contributo em matéria de
religião: iluminados biliosos, budas e cristos hostis à salvação, pregando aos
miseráveis os encantos da sua desgraça.
Mas, não deixa de ser verdade que o nosso primeiro
antepassado só nos deixou por herança o horror do Paraíso. Ao dar um nome às
coisas, preparava a sua e a nossa queda. Se quisermos remediá-la, teremos de
começar por desbaptizar o universo, por retirar a etiqueta que, posta em cada
aparência, a eleva e lhe empresta um simulacro de sentido.
Entretanto, tudo em nós, até as células nervosas, sente
repulsa pelo existir: único modo de salvaguardarmos a nossa perda.
E assim será até que uma cura de eternidade nos
desintoxique do devir, enquanto não nos aproximarmos desse estado no qual, “o
instante vale dez mil anos”, segundo um budista chinês.
No Partido Socialista actual, o secretário-geral foi
eleito pelas bases, devendo, por isso, ser respeitado, permitindo-lhe que leve
a cabo a sua política quer na oposição quer, se assim acontecer, como
governante, líder de um governo por ele escolhido e que acabe com toda a
austeridade, permitindo aos mais pobres uma vida melhor.
Não é com “caciques”, como Costa e outros saudosistas
socráticos, que conseguiremos sair do fundo do fosso em que nos colocou o
senhor Pedro.
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