Entre os danados e os rejeitados, existe uma instância
dinâmica e móvel que permite pontos de junção e de passagem.
Da mesma maneira, entre o segundo e o terceiro círculo,
entre os rejeitados e os explorados, encontramos um ponto idêntico que
desempenha a mesma função.
No primeiro caso, o espaço é habitado pelos indivíduos numa situação em que os seus direitos estão a acabar e, no segundo, pelos trabalhadores temporários.
Os dois mundos são plásticos e contêm pessoas que,
consoante os casos, após um tempo útil vendido ao capital, ver-se-ão
recambiados para um dos três círculos.
O fim dos direitos e o trabalho temporário dizem respeito
àqueles que assumem, dia após dia, a situação intermediária. Num caso, ainda
não é um danado, tendo deixado, à justa, de ser um rejeitado; no outro, ainda
não está inteiramente rejeitado e, não o sendo completamente, ainda não é
totalmente explorado de modo legal, corrente e assegurado.
Aqui, a perspectiva do pior, a queda; acolá, a
perspectiva do melhor, o encaminhamento para uma escola cuja extremidade supõe
o céu e o afastamento dos vapores metíficos do inferno.
A máquina social diz a um que não o quer mais, rejeita-o,
recusa-o, depois de usá-lo; ao outro, diz-lhe que está a consertá-lo, enquanto
persiste na sua obra e no seu império.
Este terceiro círculo é pois o dos explorados, daqueles a
quem, com toda a legalidade, é espoliada a existência, a própria substância das
suas vidas, reduzindo-os a obter, apenas, nesse acto de renúncia, os meios para
recomeçarem no dia seguinte e para proverem às suas necessidades mais modestas.
Vendendo ou alugando a sua força de trabalho, o seu único
capital, a sua única riqueza potencial, constituem a maioria da zona, definida
pela privação de segurança e pela força nómada, inebriada pelos trajectos da
sua própria deriva.
Nela encontramos, certamente, os trabalhadores
temporários e com contratos a prazo, enquanto estão integrados no mundo do
trabalho,á espera de perspectivas mais sinistras, mas também deparamos com os
aprendizes, aqueles cujo próprio estatuto legal, as convenções colectivas,
justificam considerá-los como escravos feitos por medida e disponíveis para
todas as tarefas maçudas.
Sem estatutos, sem salários decentes, sem perspectivas,
sem meios para fazer respeitar as regras elementares do direito do trabalho, cujo
único triunfo é a declaração de intenções, desarmados e tão alimentados pela
esperança quanto solicitados á paulada ou estimulados pela cenoura que é
acenada á frente dos seus narizes, eles aceitam ser hoje espoliados, na
incerteza do momento, enquanto esperam sê-lo também amanhã, aquando da certeza
de um emprego que lhes asseguraria a possibilidade de sofrer esses maus tratos
com segurança e regularidade.
Privados de segurança, são solicitados segundo o
bem-querer e as chamadas necessidades económicas ou de produção. Longe das
aparências de dignidade que são autorizadas pelos contratos bilaterais, a
precaridade do seu estatuto funciona em relação directa com os caprichos dos
capitalistas e a conivência dos governos, seus servidores.
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