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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

«E DEPOIS DELE…»


Depois dele vêm aqueles que disputam entre si a pitança dos restos e dos cães vadios, dos gatos perdidos e dos vermes.

Definem-se pelo domínio que as necessidades elementares e a urgência em satisfazê-las exerce sobre eles, e sem as quais a vida não é impossível.

Vadios, vagabundos, dizia-se outrora, antes que a conjuração do termo pelos imbecis – como se ela chegasse para fazer desaparecer o que nomeia – permitisse o triunfo da perífrase sem-domicílio-fixo, mais prosaicamente SDF, como uma sigla mágica que dispensaria o significante de todo o tipo de relação com qualquer significado e que só pela sua semântica iludiria a realidade.

Mas, ele disse: «Se os sem abrigo aguentam, porque não podemos nós – ele disse «NÓS», quando nada em dinheiro e poder no mundo capitalista da banca”. E é a segunda vez que ele insulta os cidadãos em geral, os mais pobres e carentes em especial.

Pretendo manter este termo – “sem-abrigo” – “vagabundo, vadio” – também por razões etimológicas, pois este é assim chamado porque, em primeiro lugar, coxeia e é desajeitado, e ser desajeitado é também ser defeituoso, pecar contra uma dada regra, instalar-se do lado ímpar e desgracioso – já voltarei a falar sobre este aspecto – é mostrar a sua fraqueza, inadequação, inacabamento e desequilíbrio.

Hefaístos e Jacob ,amquejavam por terem combatido Deus e os “sem-abrigo” porque são os vencidos de uma luta mortal com o Capital, as forças sociais e políticas conjugadas.

Eles coxeiam depois de terem sido esmagados pelos “deuses” do dinheiro e do capitalismo desenfreado.

“Sem-abrigo” e vagabundo, assim surge aos olhos dos que se recusaram a combater tais deuses para a eles se entregarem de corpo e alma, deixando de fora qualquer luta e não a travando.

Sujos, grosseiros, endossando farrapos, embrulhados como pacotes, protegidos por uma capa que é também uma colagem de desperdícios, os “sem-abrigo” ampliam frequentemente a sua claudicação graças ao uso do álcool como único viático, único soporífero permitido para atravessar as agruras do frio, da fome, da noite, da solidão, do abandono e do isolamento.

O mau vinho fornece, ao corpo, com que se sustentar e se aquecer, quando, em redor, tudo parece hostil.

Este coxear, ao qual se junta o andar de banda dqueles que estão embriagados, mostra, porfiadamente, a ofensa feita à verticalidade que define o homo sapiens e o insensível regresso ao que produz a regressão da espécie: verticalidade, bipedia; depois, é a curvatura, o equilíbrio precário, o desequilíbrio; por fim, uma mistura de quadrupedia, até mesmo de reptação ou de prostração que indica até que trajecto se condenou o danado: ao da  reescrita, no seu corpo e na sua pessoa dos estados que antecedem a hominização – como se fosse a perversão da ideia que a ontogenése recapitula a filogénese.

No danado extremo, esta regressão da humanidade faz-lhe percorrer, em marcha atrás, todas as etapas de um progresso ancestral, que se torna uma regressão actual; estendido no chão, confundindo-se com o passeio, perdido no meio de cartões empilhados, atingido pelo vinho, quando não está arrasado pelo álcool, é visível que o “sem-abrigo” não se limita a alguém que é definido pela sua privação de domicílio fixo: ele é também aquele cujo único domicílio fixo é o corpo vivido como uma maldição, uma ocasião perpétua de recriminações, corpo que é preciso alimentar, refrescar, vestir, proteger, aquecer, corpo irmão – nesse âmbito – ao dos deportados e dos prisioneiros.

Corpo que seria preciso poupar, não o expondo aos perigos das carências alimentares, térmicas ou de sono, corpo que tanto deveria evitar dirigir a violência contra ele próprio, como de desviá-la e canalizá-la sobre os outros.

Por outro lado, será que pensamos no que reperesentam as necessidades de defecar, quando nenhum local fechado e privado permite esconder a animalidade?

O actual líder do BPI deveria responder por ofensa aos que foram marginalizados pela sociedade capitalista de que faz parte e que consegue minar continuamente, injectando lenta ou mesmo rapidamente, a infelicidade alheia, permitindo-se o gozo de todos os que sofrem as inclemências da vida, devido à sua ambição, sempre crescente, de poder viver sem que nada lhe falte.

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