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quarta-feira, 3 de abril de 2013

«REABILITAÇÃO DO PREGUIÇOSO»


Como toda a máquina que teima em não funcionar, o preguiçoso é um irritante problema.

Desmontam-se as rodas, examinam-se uma a uma, dá-se-lhes polimento, coloca-se massa consistente e diz-se: “Desta vez, sim. Isto vai andar”.

Mas não! Como é possível? Consulta-se um especialista que, por sua vez, torna a desmontar o conjunto, estuda o problema, acrescenta uma peça, suprime outra, substitui uma terceira, esfrega as mãos e jura por sua honra: “Isto irá. Faltava óleo!”

Resultado idêntico. Todavia, não se perde a coragem. Recomeça-se, com novos esforços.

Ausculta-se uma vez mais, tiram-se os parafusos, recoloca-se a roda que se havia tirado, suprime-se a que se tinha acrescentado e, com optimismo, declara-se:

“Esse especialista não percebia nada. Agora, isto vai andar, é coisa certa!” Mas a coisa não anda melhor, e todos os cidadãos correm de um lado para o outro, sem rumo.

Assim se luta com esse cansativo fenómeno. Durante anos, o preguiçoso continua preguiçoso, com uma apatia que toca a serenidade.

Deixa-se censurar, repreender, punir ou encorajar, louvar ou mesmo recompensar. Nada o comove, nem sequer o mais alto magistrado da nação que, exasperado se refugia no facebook, enviando recados a todos, ao preguiçoso inclusive.

Na bancada parlamentar da maioria, enxugam-se lágrimas, alguns comentadores, desencorajados, dizem o que lhes parece mais possível, nem mesmo o seu futuro – aconselho a que se não fale de futuro – comprometido, pela sua resignação, às piores catástrofes.

Para ele tudo vai bem, e mesmo cada vez melhor; nem se dá ao trabalho de pensar nos seus concidadãos que vivem repletos de dificuldades, mas também na fome e na miséria, devido à sua preguiça física e mental.

É um optimista à sua maneira, uma espécie de discípulo às avessas de um certo “doutor” que até tenta juntar-se aos manifestantes, entoando, bem à sua maneira, a Grândola Vila Morena, soltando um som do tipo “aaadddeee”, talvez tentando dizer “fraternidade”.

Preguiçoso é, preguiçoso permanece. E o pior é que ninguém sabe porquê, nem como assim se tornou. O preguiçoso é um estranho mistério.

Além disso, é irritante, porque é um problema incompreensível. Se se pudesse dizer: “aqui está o que lhe falta”, ou mesmo: “eis o que não lhe falta” – e isso é “lata”, talvez ficasse a salvo da irritação, essa má conselheira.

Poder-se-ia dizer a seus amigos: “Corrigi-o”. Mas de que serviria. Mas, um momento, e permitam-me perguntar: de que serviria isso? Absolutamente de nada. Responder-me-ão: “Pelo menos estará a dar um exemplo”. Exemplo para quem? Para outros preguiçosos? Nesse caso, estar-se-á a esquecer que nada pode influenciá-los.

Para os que não o são? Esses não necessitam de exemplo. A ignomínia que acompanha o preguiçoso basta para estimular os bons do nobre povo que é o português: não há nenhuma necessidade de a tornar ainda mais grave.

Dir-me-ão – possivelmente – há os que podem tornar-se preguiçoso e que esse exemplo advertiria: Dizei-me, primeiro, como se tornam preguiçosos e se o exemplo, tão funesto noutros casos, é aqui uma causa determinante.

Para Littré, por exemplo, é preguiçoso quem é mau aluno, o que contradita a experiência quotidiana. Não é preguiçoso quem quer. Por isso é que alguns recorrem a expedientes para poderem atingir certos e determinados fins, como uma “licenciatura” adquirida à custa desses mesmos expedientes.

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