Como toda a máquina que teima em não funcionar, o preguiçoso é um
irritante problema.
Desmontam-se as rodas, examinam-se uma a uma, dá-se-lhes polimento,
coloca-se massa consistente e diz-se: “Desta vez, sim. Isto vai andar”.
Mas não! Como é possível? Consulta-se um especialista que, por sua vez,
torna a desmontar o conjunto, estuda o problema, acrescenta uma peça, suprime
outra, substitui uma terceira, esfrega as mãos e jura por sua honra: “Isto irá.
Faltava óleo!”
Resultado idêntico. Todavia, não se perde a coragem. Recomeça-se, com
novos esforços.
Ausculta-se uma vez mais, tiram-se os parafusos, recoloca-se a roda que
se havia tirado, suprime-se a que se tinha acrescentado e, com optimismo,
declara-se:
“Esse especialista não percebia nada. Agora, isto vai andar, é coisa
certa!” Mas a coisa não anda melhor, e todos os cidadãos correm de um lado para
o outro, sem rumo.
Assim se luta com esse cansativo fenómeno. Durante anos, o preguiçoso
continua preguiçoso, com uma apatia que toca a serenidade.
Deixa-se censurar, repreender, punir ou encorajar, louvar ou mesmo
recompensar. Nada o comove, nem sequer o mais alto magistrado da nação que,
exasperado se refugia no facebook, enviando recados a todos, ao preguiçoso
inclusive.
Na bancada parlamentar da maioria, enxugam-se lágrimas, alguns
comentadores, desencorajados, dizem o que lhes parece mais possível, nem mesmo
o seu futuro – aconselho a que se não fale de futuro – comprometido, pela sua
resignação, às piores catástrofes.
Para ele tudo vai bem, e mesmo cada vez melhor; nem se dá ao trabalho
de pensar nos seus concidadãos que vivem repletos de dificuldades, mas também
na fome e na miséria, devido à sua preguiça física e mental.
É um optimista à sua maneira, uma espécie de discípulo às avessas de um
certo “doutor” que até tenta juntar-se aos manifestantes, entoando, bem à sua
maneira, a Grândola Vila Morena, soltando um som do tipo “aaadddeee”, talvez
tentando dizer “fraternidade”.
Preguiçoso é, preguiçoso permanece. E o pior é que ninguém sabe porquê,
nem como assim se tornou. O preguiçoso é um estranho mistério.
Além disso, é irritante, porque é um problema incompreensível. Se se
pudesse dizer: “aqui está o que lhe falta”, ou mesmo: “eis o que não lhe falta” –
e isso é “lata”, talvez ficasse a salvo da irritação, essa má conselheira.
Poder-se-ia dizer a seus amigos: “Corrigi-o”. Mas de que serviria. Mas,
um momento, e permitam-me perguntar: de que serviria isso? Absolutamente de
nada. Responder-me-ão: “Pelo menos estará a dar um exemplo”. Exemplo para quem?
Para outros preguiçosos? Nesse caso, estar-se-á a esquecer que nada pode
influenciá-los.
Para os que não o são? Esses não necessitam de exemplo. A ignomínia que
acompanha o preguiçoso basta para estimular os bons do nobre povo que é o
português: não há nenhuma necessidade de a tornar ainda mais grave.
Dir-me-ão – possivelmente – há os que podem tornar-se preguiçoso e que
esse exemplo advertiria: Dizei-me, primeiro, como se tornam preguiçosos e se o
exemplo, tão funesto noutros casos, é aqui uma causa determinante.
Para Littré, por exemplo, é preguiçoso quem é mau aluno, o que
contradita a experiência quotidiana. Não é preguiçoso quem quer. Por isso é que
alguns recorrem a expedientes para poderem atingir certos e determinados fins,
como uma “licenciatura” adquirida à custa desses mesmos expedientes.
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