O socialismo, apagado e silencioso, é
menosprezado devido à recuperação teutónica e à respectiva formulação prussiana
de que foi objecto. Líder do grupo, Marx conseguiu o golpe de estado filosófico
que consistiu em ocultar ou desacreditar todo o pensamento socialista que o
antecedeu, para fazer crer que só ele, e ele apenas, constituía a genealogia, o
desenvolvimento e o desfecho dessa sensibilidade teórica.
É fazer pouco caso de Blanqui e Fourrier, de
Proudhon e Pecqueur, de Babeuf e Considérant, é esquecer Cabet e Saint-Simon,
sem os quais o marxismo não teria podido constituir-se, ora através de
transferências maciças e francas, ora através de uma afinação teórica, por meio
da polémica ou do confronto.
Esquecemo-nos
o que Proudhon sofreu em descrédito e purgatório injustificados, devido
às críticas polémicas e malévolas do autor do Capital, obsecado pelo seu
império sobre o movimento operário europeu.
Ora, quando reage à industrialização mundial,
à mecanização do real, à concentração do capital em modelos destinados a serem
superados por aqueles que hoje vigoram, a mística de esquerda torna-se
socialismo e faz girar o conjunto da sua reflexão em torno desse ponto fixo que
é o trabalhador.
O cidadão e o homem, nascidos nos cueiros da
Revolução Francesa, vêem-se juntar-se-lhes o operário, o proletário,
encarnações da indigência e da miséria, da pobreza e da desapropriação
sistemática de si próprio. Esse século é verdadeiramente habitado por uma
reflexão sobre a filosofia da miséria.
Deste modo convém demorarmo-nos um pouco
sobre o aparecimento de uma importante tomada em consideração, teórica e
crítica, da propriedade.
O seu fundamento, natureza, legitimidade,
futuro, as suas formas,, as alternativas possíveis a uma propriedade ora
terrena, ora imobiliária ou de capital, concentrada nas mãos de alguns,
decididos a servirem-se dela para produzir um benefício exponencial e
constante, na mais absoluta das negligências em relação aos que possibilitam
esse lucro, eis o que levou a escrever um Pierre-Joseph Proudhon e, com ele,
uma miríade de autores socialistas, animados por esta mística de esquerda,
operando dentro deles, preocupados em encontrar-lhe uma forma teórica viável.
Aliás, o que
é a propriedade? Marca o pontapé de saída da reflexão socialista sobree
esta questão em França e um pouco por toda a Europa. Ao responder: “o roubo”,
Proudhon formula nítida, simplesmente e de modo polémico o que nunca deixou de
ser verdade desde 1840.
Portanto, o trabalhador: só por si figura da
danação, da exclusão e da exploração, ele encarna o escravo do mundo moderno
sem o qual, dizia Aristóteles, não há civilização possível – o que pensam
também todos os devotos da religião do capital.
Os bens, as riquezas, os benefícios, as
mais-valias, os lucros, os relatórios, os ganhos, eis as obras-primas do mundo
moderno, as pirâmides do capitalismo e as catedrais da industrialização.
Para construir esses benefícios, não se
regateia uma mão-de-obra que, tanto ontem como hoje, se paga com um punhado de
cebolas, com pedaços de pão seco e com más bebidas.
O preço dessas construções? O trabalho dos
jovens licenciados, os salários de miséria acordados aos que penam, a indigência
absoluta para os miseráveis privados de emprego, a escravatura, o dia de
trabalho, legal, de catorze horas, as doenças profissionais, o alcoolismo, os
acidentes, as dívidas, os alojamentos vergonhosos, quando existem, a ausência
do direito ao trabalho, a repressão de qualquer aspiração sindical, o
seguimento policial, através de documentos apropriados, dos trajectos tomados
pelo operário.
Irra! Para a dignidade ou para a humanidade
dos homens, mulheres e crianças que possibilitam a existência das riquezas e a
sua confiscação pelo capital.
Sem uma revisão de valores mas sobretudo das
práticas, os actualmente ditos socialistas – do PS – com a sua “social-democracia
de pacotilha”, conseguem imitar na perfeição os opressores do povo, aos quais
dizem negar qualquer colaboração só porque já sonham com o poder.
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