O muito pouco que se sabe sobre a vida do
poeta documenta bem a situação do génio, condenado a um ostracismo involuntário
no seio da sociedade do seu tempo. Os milhares de paginas que têm sido escritas
sobre o assunto não escondem a exiguidade dos dados verdadeiramente
incontroversos sobre a vida de Camões.
Não se sabe bem onde nem quando nasceu. Duas
datas, 1517 e, sobretudo, 1525, são as que reúnem maiores probabilidades;
quatro locais: Lisboa, o mais verosimil berço do poeta, Coimbra, Santarém e
Alenquer.
Terá falecido a 10 de Junho de 1580, mas onde
pára o respectivo registo de óbito? Nos livros que restam na Torre do Tombo
referentes às freguesias lisboetas daquela data não está. O que é de estranhar,
a menos que tivesse Camões sido uma das vítimas da peste de 1579, quando
centenas de mortos escaparam aos zelosos curas escribas dos livros paroquiais.
Foi sepultado, segundo a tradição, no
carneiro da Igreja de Sant’Ana, mas, quando a mão piedosa lhe pôs a pedra do
epitáfio sobre os ossos, não era grande a segurança sobre a respectiva
identificação. E serão do poeta os que estão nos Jerónimos, por obra e graça da
prestimosa comissão ad hoc do 3º centenário da sua morte? Acontecimento que
representou a primeira grande homenagem nacional ao poeta…
De registos válidos, sabe-se quem foi o seu
pai (Simão Vaz) e sua mãe (Ana de Sá ou Ana de Macedo, mulher nobre de
Santarém). Presume-se que tenha feito apurados estudos, pela sólida cultura que
a sua obra revela, mas o seu nome não consta dos livros de registos de matrículas
da Universidade de Coimbra, cidade que, ainda assim, é insofismável que
bem conheceu e frequentou.
Nela foi figura importante o chanceler Bento
de Camões, seu familiar. Os traços de passagem do poeta por Coimbra parecem,
porém, ter sido apagados, um a aum, por dedo misterioso. Há quem queira
atribuir um estado de nobreza que é incompatível com o que da sua vida se sabe
ou se presume.
Estudos recentes (José Hermano de Saraiva)
inculcam-no como escudeiro dos condes de Linhares, colega menos afortunado de
Francisco de Morais, autor do Palmeirim e dos curiosíssimos Diálogos, o que
teria sido a base dos seus infortúnios.
A amada Dinameme, morta no mar, não seria a
escrava peregrina, mas D. Joana de Menezes, filha dos condes. A hipótese é
extremamente curiosa. Em tempo de derivações, não seria difícil ver em D. Joana
de Menezes, demasiado curioso, por coincidência…
À frequência da corte parecem aludir as
relações culturais inferidas da lírica. Uma das cartas que lhe são atribuídas
com bastante probabilidade é dirigida a uma dama da comitiva real. Não lhe são
estranhos igualmente os meandros do meio boémio da estúrdia quinhentista
lisboeta.
Como escudeiro, em Ceuta, perdeu o olho direito em combate. Um infausto acontecimento no dia do Corpo de Deus de 1552, em que feriu um Gonçalo Borges numa escaramuça no Rossio, levou-o à cadeia do Tronco, reservada a presos de baixa extracção, de onde sai, perdoado pelo queixoso, obtido o perdão real, para servir como soldado nas partes da Índia, “mãe de vilões ruíns e madrasta de homens honrados>”.
DE Goa sai em expedições por mar, como por
exemplo ao estreito de Meca, onde se originou a canção “Junto dum seco, fero,
estéril monte”. Os seus “Disparates da Índia”, em que satiriza alguns poderosos
da cidade, vão fazê-lo alvo de iras e de vinganças.
O governador Francisco Barreto tê-lo-á
desterrado para a China, por indesejável. Julga-se ter estado em Macau como
provedor dos defuntos e ausentes. Sofre um naufrágio na foz do Mecom (referido
no canto X de Os Lusíadas. De novo em Goa. D. Constantino de Bragança ter-lhe-á
dispensado protecção, facto que não impede o ter sido preso, acusado de
dívidas. Tem relações de amizade com Garcia de Orta e com Pêro de Magalhães de
Gândavo, para a publicação de cujas obras solicita a protecção do conde de
Redondo e de D. Leonis Pereira, respectivamente.
Alguns anos depois está em Moçambique, levado
pelo capitão Pêro Barreto, que, todavia, lhe não perdoa o dinheiro da viagem e
o mantém preso.A 7 de Abril de 1570, no rescaldo da peste de 1560, só se volta
a ter notícias do poeta quando D. Sebastião lhe concede, em Julho de 1572,
privilégio para a publicaçºao de Os Lusíadas e depois lhe outorga uma tença de
15 mil reis, com a qual irá viver até ao final dos seus dias, e que sua mãe
receberá depois da sua morte.
É inegável que Camões conheceu o teatro
vicentino e nele se inspirou, mas, como diz Luciana Stegagno Picchio, “Camões
não é um simples continuador de Gil Vicente: a revolução renascentista já passara
por ele e nenhum suspiro passadista a podia apagar”.
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