O sucessor de Miguel Relvas é uma
"estrela" da elite académica. É europeísta e não acredita que só
exista esta "forma de austeridade". Saiba quais são as perguntas que
Vítor Gaspar vai ouvir nas próximas reuniões
Miguel Poiares Maduro chegou atrasado à
Universidade de Verão da JSD. Era a sua estreia, em 2007. Decidiu recusar um
carro com motorista que Carlos Coelho, o responsável pela organização, lhe
disponibilizara. Conduziu de Lisboa até Castelo de Vide e perdeu-se. Levava
como sugestão para os "jotas" - com um misto de ironia e cultura
cinéfila - o filme Mr. Smith Goes to Washington, de Frank Capra, realizado em
1939, um tratado de ceticismo sobre a política. A trama é esta: Jefferson Smith
(James Stewart) é nomeado para o Senado dos Estados Unidos por um cacique
local, que pretende controlá-lo, dada a sua inexperiência. No final (mas não
vamos estragar a surpresa ao leitor que o não conheça), Smith tenta provar que
um homem, ainda que sozinho, pode mudar o mais adverso dos ambientes políticos.
A sua palestra foi sobre a Europa. Já não ia a uma
reunião da JSD há muitos anos. Mais de vinte. Inscreveu-se cedo, aos 16 anos,
na jota, na Figueira da Foz, para onde a sua família se mudou, vinda de
Coimbra, e por lá militou poucos anos até que a Universidade o levou para
outros caminhos.
Carlos Coelho, eurodeputado e ex-líder da JSD,
convidou-o para participar na Universidade de Verão, quando Miguel Maduro já
era o mais jovem advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)
de sempre. Entrou em 2003, com 36 anos, por indicação do então
primeiro-ministro, Durão Barroso.
O agora ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional,
hoje com 46 anos, que tomou posse no sábado, 13, foi um militante
"adormecido", durante os longos anos que passou fora de Portugal.
Carlos Coelho nem se lembrava de lhe ter dado "formação política", no
longínquo ano de 1983, na Figueira da Foz, noutro curso para militantes. Miguel
Poiares Maduro não enjeitou a memória e recordou o episódio a Coelho.
O mandato no TJUE terminou em 2009. Poiares Maduro
voltou a Florença, onde se doutorara, no Instituto Universitário Europeu (IUE),
para dar aulas e investigar. E é no seu método académico que podemos ver como
funciona a cabeça do ministro.
Ouvido em Belém e em Bruxelas
Os seus alunos de doutoramento têm uma surpresa, no
último ano. Chama-se Seminário do porquê. É durante esse evento que
Poiares Maduro explica as vantagens das boas perguntas sobre as más respostas.
Há quatro interrogações fundamentais, garante o professor, e não se aplicam
apenas a estudantes de doutoramento, mas também a decisores: "Porquê?
Porque não? Com base em quê?
Qual é a alternativa?" É com perguntas
sistemáticas que se chega a respostas seguras, conclui.
No novo gabinete do ministro, na sede da Presidência
do Conselho, na Rua Gomes Teixeira, em Lisboa, este método terá agora de ser
aplicado a temas tão diversos como o desenvolvimento regional, a comunicação
social ou o destino a dar às verbas do Quadro de Referência Estratégico
Nacional (QREN), que representam o único investimento público possível, em
tempos de austeridade.
"Vai ter competências com uma carga
descomunal", adverte Carlos Coelho, "mas estou convencido de que
trará frescura, rigor intelectual e qualidade".
Na verdade, nunca deixou de pensar em política. O seu currículo mostra-o: do Direito, em que se licenciou na Universidade de Lisboa, escolheu o "constitucional" para se especializar. E, aí, dedicou-se aos temas mais "políticos", como o direito laboral, a fiscalidade, a liberdade, o papel do Estado. Chega ao Governo diretamente de um think tank em Florença, apoiado pela Comissão Europeia, no Instituto Universitário Europeu, o Global Governance Program, uma unidade de investigação "virada para a ação".
E não é, propriamente, um outsider. Faz parte do
Conselho Geral da Fundação Francisco Sá Carneiro, a convite do seu presidente,
Carlos Coelho. E integra o movimento Crescimento Sustentável, criado pelo
porta-voz do PSD, Jorge Moreira da Silva.
Em Belém e em Bruxelas, dois ex-líderes do PSD, Cavaco
Silva e Durão Barroso, seguem a sua carreira com atenção. Pedem-lhe conselhos.
Ouvem-no. "É difícil não apreciar as qualidades do Miguel", adianta à
VISÃO Carlos Coelho.
E que qualidades são essas? "Pensa fora da caixa.
Vê os lados todos da caixa", sintetiza Carlos Coelho.
No 'top 5'
Quando lançou o seu livro de crónicas (publicadas no
DN), resolveu chamar-lhe Um Peixe Fora de Água, e escolheu para o apresentar um
jovem bloguer de esquerda que admirava, Rui Tavares. O eurodeputado voltou a
cruzar-se com Poiares Maduro em Bruxelas. Trabalharam juntos sobre a liberdade
de imprensa e Rui Tavares recorda ter ouvido do atual ministro "boas
propostas sobre transparência no mercado de media e outras". Por isso, faz
uma comparação elogiosa: "Não gosto do Governo em que ele está, mas se o
Miguel Poiares Maduro fizer finca-pé em implementar essas ideias agora, teremos
uma viragem de 180 graus em relação ao clima daninho que se impôs, com Miguel
Relvas, na comunicação social."
Biograficamente, além de uma militância precoce na JSD
e um reconhecido talento culinário, poucas coisas têm em comum os dois
ministros a quem Passos Coelho entregou a tutela da comunicação social.
Poiares Maduro foi um dos quatro relatores do Grupo de
Alto Nível para a Liberdade de Imprensa na Europa, tendo defendido o papel
democrático da imprensa livre, e apoios estatais ao jornalismo de investigação.
Antes, tinha sido o advogado escolhido pelo Governo da Islândia para defender a
posição de Reiquiavique no processo Icesave, aberto pela Inglaterra e pela
Holanda, que pretendiam ser indemnizadas pela falência de uma filial de um
banco islandês. Ganhou a ação.
"É tremendamente criativo e gregário. Resolve
puzzles complicados com uma velocidade espantosa. Transforma qualquer conversa
em que entre numa conversa melhor", adianta, à VISÃO, Kim Lane Schepelle,
diretora do curso de Leis e Políticas Públicas da Universidade de Princeton,
EUA.
Kim, ao contrário de Carlos Coelho, não é uma
correligionária de Poiares Maduro. É, no espetro americano, uma liberal de
esquerda. Conheceu o novo ministro noutra universidade da restrita Ivy League:
Yale. Foi, durante uma conferência para juízes de tribunais constitucionais.
"O Miguel era o mais novo na sala e era a estrela. Aliás, ele é um dos
poucos juízes convidados a continuar no workshop, mesmo depois de terminar o
seu mandato judicial."
Kim Lane também acha que "a sua grande e
resiliente personalidade o qualificam para a política". "Ele é um dos
maiores peritos mundiais em lei e instituições europeias, e isso será muito
importante para Portugal, neste período de crise."
Do lado de cá do Atlântico, Joseph Weiler, diretor
nomeado do IUE de Florença, que foi seu professor e colega, garante à VISÃO:
"Estou certo de que ele faz parte da lista de qualquer um para o top 5 de
especialistas europeus em leis e instituições da UE."
Será este o 'plano B'?
E é essa a principal interrogação que fica sobre o
papel de Poiares Maduro no futuro do Governo. Será ele, um europeísta convicto
e influente, o novo interlocutor do Governo para as questões europeias? Uma
espécie de "plano B" da estratégia de Passos Coelho?
Recentemente, conduziu um estudo sobre a reforma
institucional da União, para o Parlamento Europeu, salienta Weiler. "Ele
pode não ter experiência política, mas isso é uma vantagem, porque trará
frescura e independência de pensamento tanto para a resolução dos problemas de
Portugal como para os da União", conclui o antigo professor.
Como escreveu Viriato Soromenho Marques no DN, o novo
ministro "não aceitaria a leitura moralista da origem da crise, que faz
dos portugueses os únicos culpados do mal de que são superlativas
vítimas". E isso coloca-o em rota de colisão com o ministro das Finanças,
Vítor Gaspar, e com a "narrativa" habitual do Governo que
garante não haver alternativa à austeridade. Até agora, o Governo evitou
debater a política europeia, centrando o seu discurso no cumprimento do memorando
de entendimento com a troika. Mas o perfil do novo ministro não encaixa nessa
estratégia.
Há apenas um mês, Miguel Poiares Maduro escreveu, numa crónica na VISÃO: "Não devemos aceitar que o Governo se esconda atrás da Europa para nos dizer que existe apenas a sua forma de austeridade, mas também não podemos deixar a oposição invocar o que a Europa poderia fazer para defender que não é necessária a austeridade."
Se o seu método vingar, há muitos "porquês"
a precisar de resposta. Se não, há sempre um derradeiro teste a fazer ao método
de Mr. Smith, no filme de Capra: pode um homem só fazer a diferença?
FRASES: O ministro em discurso direto
"Sempre fui alguém com aversão aos conflitos.
Gosto até bastante de discutir mas os conflitos tendem a abdicar da
argumentação racional"
"Um bom político para mim tem que ser uma mistura
de um cartógrafo, de um poeta e de um Juiz"
"Eu não tenho nenhuma preferência abstrata pelo
Estado ou o mercado"
"O nosso espaço público está cheio de gente com
razão mas que não faz uso dela"
=Visão=
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