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sábado, 27 de abril de 2013

«O EMBELEZAMENTO DAS DERROTAS»

Entregues a formas degradadas de sabedoria, doentes da duração, em luta com essa enfermidade que nos repugna, em luta com o tempo, somos constituídos de elementos que concorrem todos eles para fazer de nós rebeldes divididos entre um apelo místico que não tem qualquer ligação à história e um sonho sanguinário que é o símbolo e o halo desse apelo.

Se tivessemos um mundo nosso, pouco importaria que fosse o da piedade ou o do sarcasmo!

Nunca o teremos, porque a nossa posição na existência se situa na encruzilhada entre as nossas súplicas e os nossos escárnios, zona de impureza onde os suspiros e as provocações se misturam.

Quem é demasiado lúcido para adorar será também demasiado lúcido para demolir, ou demolirá apenas as suas revoltas; pois de que serve revoltarmo-nos para redescobrirmos depois o universo intacto?

Insurgimo-nos contra a justiça e a injustiça, contra a paz e a guerra, contra os nossos semelhantes e contra os “deuses”.

Depois, acabamos por pensar que o mais senil de entre os homens talvez seja mais sábio do que Prometeu. No entanto, não conseguimos abafar dentro de nós um grito insurreccinal, e continuamos a bradar acerca de tudo e nada: automatismo miserável que explica porque somos todos Lucíferes de estatísctica.

Contaminados pela superstição do acto, cremos que as nossas ideias devem resultar. Que haverá de mais contrário à contemplação passiva do mundo? Mas é o nosso destino: sermos incuráveis que protestam, panfletários prostrados.

Os nossos conhecimentos, bem como as nossas experiências, deveriam ter por efeito paralisar-nos e tornar-nos indulgentes para com a própria tirania, a partir do momento em que esta representa uma constante.

Somos clarividentes o bastante para nos sentirmos tentados a depor as armas; no entanto, o reflexo da rebelião triunfa das nossas dúvidas; e embora possamos agir como estóicos consumados, o anarquista permanece à espreita em nós, opondo-se às nossas resignações.

“Nunca aceitaremos a História”, tal me parece ser a divisa da nossa impotência para sermos verdadeiros sábios ou verdadeiros loucos.

Seremos comediantes da sabedoria e da loucura? Façamos o que fizermos, estamos condenados, no que se refere aos nossos actos, a uma insinceridade profunda.

É perfeitamente claro que um crente se identifica, até certo ponto, com o que faz e com o que crê; nele não existe distância de monta entre a lucidez, por um lado, e as suas acções e pensamentos, por outro.

Esta distância cresce desmesuradamente no falso crente, naquele que exibe convicções sem a elas aderir. O objecto da sua fé é um sucedâneo.

É preciso dizê-lo sem rodeios: a minha revolta é uma fé que subscrevo, embora me custe acreditar na sua realização, apesar de todos os meus esforços para que se concretize.

Nunca acreditaremos o bastante nas palavras de Kirilov sbre Stavroguine: «Quando acredita, não acredita que acredita; quando não acredita, não acredita que não acredita.»


Será que o presidente da República acredita no que disse solenemente na Casa da Democracia no dia 25 de Abril, por trás de tantos cravos vermelhos?

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