A partir do Século das Luzes, a Europa não
parou de enfraquecer os seus ídolos em nome da ideia de tolerância; pelo menos,
enquanto foi poderosa, acreditou nessa ideia e bateu-se para a defender.
As suas dúvidas não passavam então de
convicções disfarçadas; como comprovavam a sua força, tinha o direito de
reclamar delas, bem como os meios de as impor; hoje as suas dúvidas já não
passam de sintomas de nervosismo, de vagos sobressaltos do instinto atrofiado.
A destruição dos ídolos acarreta consigo a
dos preconceitos.
Ora, os preconceitos – ficções orgânicas de
uma civilização – asseguram a sua duração, conservam a sua fisionomia. A
civilização deve respeitá-los, senão a todos, pelo menos aos que lhe são próprios
e que, no passado, tinham para ela a importância de uma superstição ou de um
rito.
Se os considerar meras convenções,
desprender-se-á deles cada vez mais, sem poder substituí-los pelos seus
próprios meios.
Prestou culto ao capricho, à liberdade, ao
indivíduo? Conformismo de boa lei.
Quando deixa de lhe obedecer, capricho,
liberdade e indivíduo tornam-se letra morta.
Um mínimo de inconsciência é necessário a
quem se quiser manter na história. Agir é uma coisa; saber que se age, outra.
Quando a clarividência investe o acto e se
insinua nele, o acto desfaz-se, e com ele o preconceito cuja função consiste
precisamente em subordinar, em submeter a consciência ao acto…
Quem desmascara as suas ficções, renuncia ao
seu motor e como que a si próprio. Por isso aceitará outras, que serão a sua
negação, porque não surgiram do seu íntimo. Nenhum ser preocupado com o seu
equilíbrio deveria ultrapassar um certo grau de lucidez e de análise.
Isto é mais verdade ainda para uma
civilização que vacila logo que começa a denunciar os erros que permitiram o
seu crescimento e o seu brilho, logo que começa a pôr em questão as suas
verdades!
Não é sem risco que se abusa da faculdade de
duvidar. Quando o céptico deixa de extrair dos seus problemas e das suas
interrogações uma virtude activa, aproxima-se do fim, mais ainda, procura-o,
corre para ele: que outro resolva as suas incertezas, que outro o ajude a
sucumbir!
Sem saber já que fazer das suas inquietações
e da sua liberdade, pensa com nostalgia no carrasco, chama por ele. Os que não
descobriram resposta para nada, suportam melhor os efeitos da tirania do que os
que descobriram resposta para tudo.
É assim que os diletantes se mostram menos
embaraçados com a morte do que os fanáticos.
Hoje, para onde quer que olhemos, só vemos
sucedâneos de verdade, de preconceitos; aqueles que nem sequer esses sucedâneos
possuem, parecem mais serenos, mas o seu sorriso é maquinal. Um pobre e
derradeiro reflexo de elegância…
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