Quando o sentido começa a envelhecer, não nos
demoramos muito tempo perante um quadro cuja intenção é compreensível; a peça de
música de natureza perceptível, com seus contornos definidos, é algo que nos
enfada; o poema demasiado claro, demasiado explícito parece-nos…
incompreensível.
O reino da evidência está a chegar ao fim:
que verdade precisa valerá ainda a pena enunciar? O que se pode comunicar não
merece que nos detenhamos nele.
“Deduzir-se-á que apenas o “mistério” nos
deve prender? Mas o mistério não é menos aborrecido do que a evidência. Quero
dizer, o mistério pleno, tal como foi concebido até ao nosso tempo, e persiste.
O nosso, puramente formal, não passa de um
expediente de espíritos desiludidos da clareza, de uma profundidade vazia,
própria desta fase da “arte” que já não engana ninguém e em que, na literatura,
na música, na pintura, somos contemporâneos de todos os estilos.
O ecletismo, se lesa a inspiração, alarga, em
contrapartida, o nosso horizonte e nos permite beneficiar de todas as
tradições. Liberta o teórico, mas paralisa o criador, ao qual rasga
perspectivas demasiado vastas; ora, uma “obra” constrói-se à margem ou na
ausência do saber.
Se o “artista” de hoje se refugia no obscuro,
é porque já não pode inovar com aquilo que sabe. A massa dos seus conhecimentos
fez dele um glosador, um Aristarco desenganado.
Para salvaguardar a sua originalidade,
resta-lhe somente a aventura no ininteligível. Renunciará, portanto, às evidências
que uma época de sabedoria e estéril lhe
inflige.
Poeta, vê-se diante de palavras, das quais
nenhuma, na sua legítima acepção, se encontra carregada de futuro; se quiser
torná-las viáveis, terá de quebrar o seu sentido, procurar a impropriedade.
Nas Letras em geral, assistimos à capitulação
do Verbo, que, por estranho que pareça, se encontra ainda mais gasto do que
nós.
Sigamos pois a curva descendente da sua
vitalidade, adequemo-nos ao seu grau de fadiga e decrepitude, adoptemos o caminho
da sua agonia.
Coisa curiosa: nunca o Verbo foi tão livre; a
sua demissão é o seu triunfo: emancipado do real e do vivido, permite-se enfim
o luxo de não exprimir nada para além do equívoco do seu próprio jogo.
Esta agonia, este triunfo, far-se-iam sentir
no género “literário”, mas também musical, que têm vindo a ocupar-nos.
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