A maneira de escrever de um escritor é
condicionada fisiologicamente; possui um ritmo que lhe é próprio, premente e
irredutível.
Não se concebe um Saint-Simon que alterasse,
por meio de uma metamorfose deliberada, a estrutura dos seus períodos, ou se
contivesse, praticando o laconismo.
Tudo nele exigia que se expandisse em
períodos sobrepostos, densos, móveis. Os imperativos da sintaxe deviam
persegui-lo como um sofrimento e uma obsessão.
O seu fôlego, o ritmo da respiração, o seu
ofegar impunham-lhe esse movimento fluido e amplo que força a solidez e as
barreiras das palavras. Havia nele quaqluer coisa de órgão, muito diferente do
som de flauta característico de alguns portugueses.
Daí esses períodos que, receando o ponto, se
imiscuem uns nos outros, multiplicam os rodeios, mostram-se relutantes em
concluir.
No extremo oposto, pensemos em La Bruyère, no
seu modo de cortar a frase, de a limitar, de a deter, aplicando toda a sua
atenção a dotá-la de fronteiras precisas: o ponto e vírgula é a sua obsessão;
tem a pontuação na alma.
Até as suas opiniões e os seus sentimentos
são ponderados. Receia solicitá-los, irritá-los ou exasperá-los.
Como tem o fôlego curto, os contornos do seu
pensamento são nítidos; trata-se de alguém que mais depressa ficaria aquém do
que ultrapassaria a sua natureza.
Neste aspecto, adapta-se bem ao génio de uma
língua especializada nos suspiros do intelecto, e para a qual quem não for
cerebral é suspeito ou nulo.
Condenada à secura pela sua própria
perfeição, incapaz de assimilar e de traduzir a Ilíada e a Bíblia, Shakespeare
ou Dom Quixote, esvaziada de toda a carga afectiva, e como que desprendida da
sua origem, é uma língua fechada ao primordial e ao cósmico, a tudo o que vem
antes ou depois do homem.
Mas a Ilíada, a Bíblia, Shakespeare ou Dom
Quixote participam de uma espécie de omnisciência ingénua, que se situa ao
mesmo tempo abaixo e acima do fenómeno humano.
O sublime, o horrível, a blasfémia ou o
grito, o português apenas os aborda desnaturando-os por meio da retórica.
Trata-se de uma língua também inadequada ao delírio e ao humor em bruto: Aquiles e Príamo, David, Lear ou Dom Quixote
sufocam sob os rigores de uma língua que os faz parecer tolos, dignos de dó ou
monstruosos.
Por diferentes que sejam entre si, vivem
todos ainda – e tal é o seu traço comum – ao nível da alma, sendo que esta,
para se exprimir, exige uma língua fiel aos reflexos, ligada ao instinto, e não
desencarnada.
Passando agora ao modo como se fala, permita-me
senhor presidente da República Portuguesa que o chame à atenção do seguinte: “Todos
nós erramos! Todos nós cometemos «gafes» e o senhor não escapa”, bastando ver e
ouvir o que corre pela Net e que o atinge fortemente, uma vez que “confundiu” o
modo de expressar o plural de “cidadão”, pronunciando “cidadões”, num dos seus
discursos, e da seguinte forma:
…«Cidadões nacionais, cidadões da nossa
vizinha Espanha….» e que, se lhe chegar aos olhos e ouvidos, poderá recordar-se
do momento e do local onde se permitiu semelhante agressão à nossa
língua-Pátria.
Nem por tal motivo algum professor se queixou
de si, nem por tal motivo, péssimo exemplo para todos os cidadãos especialmente
para as crianças que estão ainda em formação e aprendizagem.
Quanto ao resto, que fique à plena satisfação
de Vossa Excelência, devendo ouvir, antes que haja mais precipitações e até “insultos”,
mas também ataques à nossa língua.
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