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sábado, 25 de maio de 2013

«A MANEIRA COMO SE ESCREVE E SE FALA»

A maneira de escrever de um escritor é condicionada fisiologicamente; possui um ritmo que lhe é próprio, premente e irredutível.

Não se concebe um Saint-Simon que alterasse, por meio de uma metamorfose deliberada, a estrutura dos seus períodos, ou se contivesse, praticando o laconismo.

Tudo nele exigia que se expandisse em períodos sobrepostos, densos, móveis. Os imperativos da sintaxe deviam persegui-lo como um sofrimento e uma obsessão.

O seu fôlego, o ritmo da respiração, o seu ofegar impunham-lhe esse movimento fluido e amplo que força a solidez e as barreiras das palavras. Havia nele quaqluer coisa de órgão, muito diferente do som de flauta característico de alguns portugueses.

Daí esses períodos que, receando o ponto, se imiscuem uns nos outros, multiplicam os rodeios, mostram-se relutantes em concluir.

No extremo oposto, pensemos em La Bruyère, no seu modo de cortar a frase, de a limitar, de a deter, aplicando toda a sua atenção a dotá-la de fronteiras precisas: o ponto e vírgula é a sua obsessão; tem a pontuação na alma.

Até as suas opiniões e os seus sentimentos são ponderados. Receia solicitá-los, irritá-los ou exasperá-los.

Como tem o fôlego curto, os contornos do seu pensamento são nítidos; trata-se de alguém que mais depressa ficaria aquém do que ultrapassaria a sua natureza.

Neste aspecto, adapta-se bem ao génio de uma língua especializada nos suspiros do intelecto, e para a qual quem não for cerebral é suspeito ou nulo.

Condenada à secura pela sua própria perfeição, incapaz de assimilar e de traduzir a Ilíada e a Bíblia, Shakespeare ou Dom Quixote, esvaziada de toda a carga afectiva, e como que desprendida da sua origem, é uma língua fechada ao primordial e ao cósmico, a tudo o que vem antes ou depois do homem.

Mas a Ilíada, a Bíblia, Shakespeare ou Dom Quixote participam de uma espécie de omnisciência ingénua, que se situa ao mesmo tempo abaixo e acima do fenómeno humano.

O sublime, o horrível, a blasfémia ou o grito, o português apenas os aborda desnaturando-os por meio da retórica. Trata-se de uma língua também inadequada ao delírio e ao humor em bruto:  Aquiles e Príamo, David, Lear ou Dom Quixote sufocam sob os rigores de uma língua que os faz parecer tolos, dignos de dó ou monstruosos.

Por diferentes que sejam entre si, vivem todos ainda – e tal é o seu traço comum – ao nível da alma, sendo que esta, para se exprimir, exige uma língua fiel aos reflexos, ligada ao instinto, e não desencarnada.

Passando agora ao modo como se fala, permita-me senhor presidente da República Portuguesa que o chame à atenção do seguinte: “Todos nós erramos! Todos nós cometemos «gafes» e o senhor não escapa”, bastando ver e ouvir o que corre pela Net e que o atinge fortemente, uma vez que “confundiu” o modo de expressar o plural de “cidadão”, pronunciando “cidadões”, num dos seus discursos, e da seguinte forma:

…«Cidadões nacionais, cidadões da nossa vizinha Espanha….» e que, se lhe chegar aos olhos e ouvidos, poderá recordar-se do momento e do local onde se permitiu semelhante agressão à nossa língua-Pátria.

Nem por tal motivo algum professor se queixou de si, nem por tal motivo, péssimo exemplo para todos os cidadãos especialmente para as crianças que estão ainda em formação e aprendizagem.

Quanto ao resto, que fique à plena satisfação de Vossa Excelência, devendo ouvir, antes que haja mais precipitações e até “insultos”, mas também ataques à nossa língua.




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