Número total de visualizações de páginas

sexta-feira, 24 de maio de 2013

«O ESTILO COMO AVENTURA»

Experimentados numa arte de pensar puramente verbal, os sofistas foram os primeiros a reflectir sobre as palavras, sobre o seu valor e propriedades, sobre a função que lhes cabia na condução do raciocínio: o passo capital para a descoberta do estilo, concebido como fim em si, como finalidade intrínseca, fora dado.

Só faltava transpor esta pesquisa verbal, dar-lhe como objecto a harmonia da frase, substituir ao jogo da abstracção o jogo da expressão.

O “artista” que reflecte sobre os seus meios encontra-se, portanto, em dívida para com o sofista, e tem com este uma espécie de parentesco orgânico.

Um e outro continuam, em direcções diferentes, um mesmo género de actividade. Nada de original há deles: nenhum laço que os prenda às fontes da experiência; nenhuma ingenuidade, nenhum “sentimento”.

Se o sofista pensa, domina de tal modo o seu pensamento que faz dele o que quer; como o pensamento não o arrasta, dirige-o segundo os seus caprichos ou segundo os seus cálculos; perante o seu próprio espírito comporta-se como um estratega; não medita, concebe, segundo um tão abstracto como artificial, certas operações intelectuais, abre brechas nos conceitos, cheio de orgulho por revelar a sua fraqueza ou lhes conceder arbitrariamente solidez ou sentido.

Com a “realidade” nada se preocupa: sabe que esta depende dos signos que a exprimem e dos quais importa ser senhor.

O “artista” vai, também ele, da palavra ao vivido: a expressão constitui a única experiência original de que é capaz.

A simetria, a organização, a perfeição das operações formais, são o seu meio natural; é aí que o artista reside, é aí que respira.

E como visa esgotar a capacidade das palavras, tende, mais do que para a expressão, para a expressividade.

No universo fechado em que vive, não escapa à esterilidade senão através dessa renovação contínua que pressupõe um jogo no qual cada matiz adquire proporções de ídolo, ao mesmo tempo que a química do verbo consegue dosagens inconcebíveis para a arte ingénua.

Uma actividade tão deliberada, se se situa nos antípodas da experiência, aproxima-se, em compensação, das paragens extremas do intelecto. Torna o artista que se lhe consagra um sofista da literatura.

Na vida do espírito, chega um momento em que a escrita, erigindo-se em princípio autónomo, se torna destino.


É então que o verbo, tanto nas especulações filosóficas como nas produções literárias, revela o seu vigor e o seu nada.

Sem comentários:

Enviar um comentário