Um belo dia de Verão, Pedro, que já andava
adoentado há tempos, sentiu que o seu estado piorava apesar dos medicamentos
que tomava. Uma vez mais foi ao médico, que após uma profunda observação, lhe
disse muito sério: “Embora não veja nada que possa causar-se todo esse
mal-estar que sente, só lhe posso dizer que, se assim continuar, nada poderei
fazer para o salvar.”
Pedro não era velho; estaria apenas na meia
idade, ou seja, entre os quarenta e os cinquenta anos. Irritava-se facilmente,
se lhe colocavam uma questão exaltava-se e respondia torto, dizia agora uma
coisa e logo outra, mais tarde desdizía-se, dormia pouco e mal, alimentava-se
bem e sempre do melhor, bebia os seus copitos às refeições, os resultados
analíticos nada mostravam de errado, pelo que decidiu consultar outro médico.
Tinham-lhe falado de um que fazia verdadeiros
milagres em relação á saúde corporal dos seus doentes, e, dando a direcção ao
motorista, foi vê-lo, sabendo de antemão que seria atendido logo que lá chegasse.
Tratava-se de um consultório situado num
quinto andar, e quando o motorista lhe disse que haviam chegado, não sem uma
certa dificuldade saiu do carro, dirigindo-se ao elevador para que o
transportasse até lá cima.
Efectivamente, quando passou a porta de
entrada, de imediato a recepcionista o anunciou ao médico que o foi receber à
porta, abrindo-a e fazendo-lhe sinal para entrar. Durante mais de meia hora
limitou-se a ouvi-lo, não o interrompendo e, após ouvir tudo quanto disse,
levantou-se, auscultou-o, viu-lhe a Tensão Arterial, passou depois à palpação
e, seguidamente ao raio X, nada encontrando de mal para o seu estado, por ele
próprio relatado.
Pediu-lhe licença para falar com o colega que
o havia consultado antes e, depois de quase meia hora ao telefone, resumindo-se
a uns sim, claro, pois, compreendo..., virou-se para o Pedro dizendo-lhe: “O
meu colega tinha razão. Nada lhe encontro de anormal que justifique o quadro
que me relatou, o resultado das análises é bom, mas se pretender ser internado
na minha clínica, permitir-me-á
submetê-lo a toda uma série de exames que…
- Não! Não posso, agora, sujeitar-me a um
internamento, por curto que seja. Tenho demasiado que fazer. Talvez dentro de
uns dias, ou melhor, de umas semanas possa fazer-lhe a vontade. Mas, agora,
não!
E, levantando-se, saiu do consultório, desceu
no elevador, entrou no carro e seguiu para a sua residência oficial. Meteu-se
no gabinete, exigindo que ninguém o aborrecesse fosse com o que fosse. Um amigo
seu, que tinha decidido visitá-lo para uma troca de impressões, foi dar com ele
de cabeça pousada na larga e ampla secretária, já inanimado. Abanou-o, pensando
que tinha adormecido mas, como não respondia, chamou o motorista e alguns
assessores para que o ajudassem.
O motorista contou que tinha ido ver os médicos,
que após uns telefonemas se apresentaram no local, confirmando o óbito. Um
deles chamou um assessor dizendo-lhe que enviasse ao outro Pedro um fax urgente, para que preparassem a suite
de pedro no paraíso. Pedro respondeu seguidamente dizendo não ter qualquer
suite, nem mesmo um simples quarto disponível para Pedro, que deveria
dirigir-se às caves do inferno e que seria recebido pelo próprio rei do local,
D. Mafarrico ou Satanás, ou seja, o Diabo, ele mesmo.
Os médicos olharam-se silenciosamente e, como
nada mais podiam ali fazer, regressaram aos seus consultórios depois de
deixarem dito que procurassem a Certidão de Óbito no consultório do primeiro.
Pedro tinha entregue a alma ao Criador,
segundo eles – médicos – devido a uma sobrecarga motivada pelos remorsos...,
ficando-se por aí, e tinha entregue a alma a quem de direito.
“Não devemos, nós, humanos, pretender
ultrapassar a nossa condição de humanos, que é como quem diz que não devemos
ostilisar os nossos semelhantes por muito pobres que sejam.”
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