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terça-feira, 28 de maio de 2013

«ANIQUILAMENTO PRIMAVERIL»

Consumação mais do que abismo, a morte dá-nos vertigens apenas para melhor nos elevar acima de nós próprios, como faz o amor, com o qual ela se aparenta sob diversos aspectos: uma e outro, forçando o quadro da nossa existência até o fazer explodir, desintegram-nos e fortificam-nos, arruínam-nos pelos atalhos da plenitude.

Os seus elementos são tão irredutíveis como inseparáveis, compõem um equívoco fundamental. Se, até certo ponto, o amor nos perde, através de que sensações de dilatação e orgulho o não faz!

E se a morte nos perde por completo, com que frémitos nos arrasta! Sensações e frémitos através dos quais transcendem o homem que há em nós e os acidentes do “eu”.

Como uma e outro apenas nos definem na medida em que neles projectamos os nossos apetites e os nossos impulsos, em que concorremos com todas as nossas forças para a sua natureza equívoca, são necessariamente incaptáveis se os olharmos como realidades exteriores que se oferecem ao jogo do intelecto.

Mergulhamos no amor como na morte, não meditamos sobre eles: saboreámo-los, somos seus cúmplices, não os pesamos.

Por isso, toda a experiência que não se converte em volúpia é uma experiência falhada.

Se tivessemos que nos limitar às nossas sensações tais como são, parecer-nos-iam intoleráveis, porque demasiado diferentes, demasiado dissemelhantes da nossa essência.

 A morte não seria para os homens a sua grande experiência perdia se a soubessem assimilar à sua natureza ou metamorfoseá-la em volúpia.

Mas a morte permanece nos homens à margem dos homens; continua a ser o que é, diferente daquilo que eles são.

E é ainda uma prova da sua dupla realidade, do seu carácter equívoco, do paradoxo inerente à maneira como a sentimos, o facto de ela se nos apresentar ao mesmo tempo como situação-limite e como dado directo.

Corremos para ela e, entretanto, é já nela que estamos. Mesmo quando a incorporamos na nossa vida, não podemos impedir-nos de a colocarmos no futuro.

Por uma inconsequência inevitável, interpretá-mo-la como o futuro que destrói o presente, o nosso presente. Se o medo nos ajuda a definir o nosso sentimento do espaço, a morte abre-nos ao verdadeiro sentido da nossa dimensão temporal, uma vez que, sem ela, ser no tempo nada significaria para nós ou, quando muito, significaria o mesmo que ser na eternidade.

É assim que a imagem tradicional da morte, apesar de todos os nossos esforços para lhe escaparmos, persiste em nos assombrar, imagem de que os doentes são os principais responsáveis.

Nesta matéria, estamos sempre dispostos a reconhecer-lhes alguma competência: um preconceito favorável atribui-lhes oficiosamente o prestígio da “profundidade”, embora a maior parte dos doentes dê provas de uma desconcertante futilidade.

Quem não conheceu, entre os que lhe são próximos, incuráveis de opereta?


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