Conhecemos o arco principal do edifício
foucaultiano que apresenta, por um lado, o anúncio da morte do homem e, pelo
outro, a condenação do humanismo clássico.
Quantos gritos e mal-entendidos, quantos
processos de intenção e erros de interpretação, sobre estas duas questões !
Alguns, na maioria anglo-saxónicos e,
entre a parvoíce e a imbecilidade, a malevolência ou a asneira sem fundo,
colocaram em perspectiva estas duas teses e as misérias do século XX, Auschwitz
e Kolyma, Pol Pot e Yunnan.
Fim do sujeito ? Morte do homem ?
Condenação do humanismo pelo pensamento ? Ossários, campos de concentração
e de extermínio, regimes totalitários e legitimação dos integrismos na
história, nada foi portanto poupado ao filósofo em matéria de leituras sumárias
limitadas às revistas onde, desde há um certo número de anos, acampam as
reflexões ditas autorizadas.
Outras críticas, maais finas, dotadas de
melhor argumentação, mas tão desejosas quanto as anteriores de arredar tais
pensamentos, a fim de instalar os seus sofás na direcção da história em voga,
fustigaram Foucault acerca desses dois pontos, tratando de demonstrar como, com
semelhantes opções teóricas, não se podia fundar uma filosofia política, uma
teoria do direito, ou até uma simples e pura reivindicação metafísica ou
ontológica.
Desaparecido o sujeito clássico, não se
pode, evidentemente, nem fundar, nem legitimar, uma ideologia apoiada nas
religiões dos direitos do homem e no individualismo liberal.
Em compensação, tendo ficado o lugar bem
nítido, pode encarar-se uma nova figura, um novo direito, uma nova filosofia
política e até uma nova intersubjectividade.
Ao libertarem-se das antigas categorias,
os modernos proibiram-se, infalivelmente, de quaisquer possibilidades de
construir uma antiga ordem.
Mas, que interesse teriam em destruir
aqui, para reconstruir a mesma coisa acolá ?
Nem Foucault, nem Deleuze, como
nietzscheanos esclarecidos, se sacrificam à ética obrigatória da fundação e da
legitimação, que dizem mais respeito aos tópicos kantianos.
Na opinião deles, a genealogia, que leva
em linha de conta as forças, deve suplantar qualquer construção arquitectónica
da razão pura ou prática.
Nem cúmplices, nem verdugos responsáveis
pelo sangue derramado neste século, nem kantianos abortados, pela simples razão
que deixaram Kant bem para trás, numa vontade deliberada e conjunta de derrubar
o platonismo, Deleuze e Foucault formulam simplesmente uma teoria que vale como
ruptura epistemológica.
Ela secciona em dois este vigésimo
primeiro século, para deixar de um lado os defensores de Apolo debatendo-se com
o seu velho mundo e, do outro, os que se sacrificam a Dionísio e se esmeram a
cartografar outra realidade, onde a vida e o princípio do prazer não são
considerados como nada ou, somente, como quantidades negligenciáveis.
E, daí, por um lado, a parvoíce e, pelo
outro, a imbecilidade existentes hoje em dia na esmagadora maioria dos que se
arvoram em líderes políticos seja em que canto for do mundo.
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