Procurar eliminar sombras não pode ser
agradável para ninguém. Mas quem mais sofre é, certamente, aquele que as crê
reais. Não somente procura alcançar o vazio e perseguir o nada, como se torna
inapto a integrar-se no real.
Que a realidade o chame a si – e ela não
pode fazê-lo brutalmente – e todas as aberrações são possíveis, desde a
aversão simples ao esforço, que só ele,.
Sobrepuja o real, até todas aquelas formas – no mais das vezes abjectas – do diletantismo,
que só encara a vida dos mais pobres como um jogo sem valor moral.
Percebem-se, são mais que evidentes as
consequências de semelhante comportamento – desencaminhamento pela imagem –
visto que não mais se trata apenas de vida intelectual, mas de acção social e
até religiosa, embora com umas fortes mentiras enfiadas lá pelo meio… como a
inspiração de Nossa Senhora de Fátima, o
apelo a S. Jorge e tantas outras que durante o ano são vertidas na pia destinada
às mentiras proferidas pelos políticos.
Se nada mais conta, a não ser o universo
fictício que se deixou sugerir pelo abuso de uma certa retórica na qual ninguém
acredita, e critica, não se vê muito bem porque se deveria dedicar-se a viver
pelos outros, em virtude do “patriotismo” – que sabem corresponder a mais uma
mentira enormíssima - em virtude da
abnegação, sempre penosa e frequentemente aborrecida.
Aquele que vive de imagens ilusórias e que
delas se alimenta é, necessariamente, um egoísta, porque, encerrando-se nesse
mundo, encerra-se a si mesmo.
Nada o interessa mais do que essa onda sempre
inconstante, que contempla com enlêvo e cuja atracção é tirânica para o povo.
Porque, a vida dos outros, as necessidades alheias, que são coisas reais, não
se integram mais, senão dificilmente, nesse mundo irreal, feito apenas de
miragens inconsistentes.
E esse político – quem se espantaria disso? –
está perdido para a vida religiosa mais intensa, pois esta não se realiza sem
uma estrutura mental extremamente sólida, porque sempre impõe sacrifícios
concretos e muito penosos, que estão sempre por recomeçar, indefinidamente.
Quem se deixou intoxicar pelo abuso da imagem
continua a procurar essa droga. Não é mais capaz, e torna-se cada vez menos, de
alcançar aquele domínio de si que esse esforço religioso impõe. Ao contrário,
tudo o afasta dele.
Como falar-lhe ainda de austeridade, de
sacrifício, de disciplina dos sentidos e da imaginação? Quem compreenderia,
também, das verdades que são verdades de fé e que, por isso mesmo, transcendem
o tangível e o visível?
Esse universo ultrapassa-o, como o ultrapassa
também a necessidade de solidão – daí os tabus prolongados – sem a qual não
há verdadeira abstracção, nem atenção ao
chamado Deus. Ele tornou-se, salvo um assomo de energia com o qual não se pode
contar, inapto a ouvi-lo e a segui-lo.
E essa fuga desvairada diante da solitude, da
paz interior e do recolhimento do espírito, constitui bem um dos piores vícios
da actualidade. Quem quer que se deixe arrebatar por esse turbilhão renuncia a
todo o domínio de si, pelo qual, igualmente, um pensamento e uma acção
verdadeiramente humanos e sobrenaturais são possíveis.
De todos os “divertimentos”, no sentido
pascalino da palavra, que nos afasta de nós mesmos, que nos distraem e nos
impedem de fazer silêncio, a fim de ver claro para bem agir, não há outro pior que o abuso sobre um
povo crédulo, que nem o é já tanto.
É por isso que, desde a infância, desde
aquele período, sobretudo, em que um político se põe em busca do equilíbrio, de
uma estrutura mental sólida e, numa palavra, se encaminha para a maturidade,
se deveria cuidar de o salvaguardar do perigo mortal que ameaça a sua formação,
e que não é outro senão a procura de quimeras e a busca – tão vã e louca! – das
miragens.
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