Numa crise
económica seria de esperar um uso intenso de ciência económica. Foi o
esquecimento dos seus princípios que nos trouxe à situação e só ela nos ajudará
a sair dela. Até os que acham que a crise advém dos erros da teoria não têm
nada melhor para pôr no seu lugar. Mas a economia tem princípios simples
difíceis de usar, como mostram as discussões populares.
A nossa doença é
clara, mas, obcecados com as dores da medicação, quase ninguém a refere. A
esmagadora maioria dos disparates actuais advêm de não se lidar com a questão,
resolvendo um problema que não temos. Omitindo a dureza da situação, tudo fica
desfocado e confuso.
Portugal tem uma
das dívidas externas mais elevadas do mundo. A história mostra que nunca se saiu
de situações semelhantes sem fortíssima queda do consumo e redução do nível de
vida. Gritar contra os sacrifícios ou, pior, fingir que seriam evitáveis pode
ser compreensível, mas é tolice ou, pior, flagrante desonestidade. Por dolorosa
que seja a quimioterapia, perante um cancro não há alternativa.
O nosso mal
agrava-se porque, como a dívida foi acumulada ao longo de décadas, a estrutura
económica ficou distorcida, adaptando-se a níveis de despesa insustentáveis.
Isso significa que muitos empregos e capitais estão em actividades condenadas.
Assim, além da perda conjuntural de empresas, devida ao aperto da austeridade,
sofremos a eliminação definitiva de ocupações fictícias, que a dívida
alimentou. Em cima das radiações, há que fazer dolorosa fisioterapia.
Logo, os que se
indignam com a famigerada austeridade só podem ignorar a realidade da situação.
Os caminhos fáceis que recomendam gerariam mais, não menos, sofrimento.
Repudiar ou renegociar a dívida, sair do euro, rejeitar a troika são vias para
o isolamento e alienação dos mercados, que nos afastariam de vez da
estabilidade e de-senvolvimento. O Governo tem errado muito, mas a oposição
mente com todos os dentes. E sabe quem mente.
Portugal está numa
situação económica muito exigente e delicada, que implicará tratamento difícil
e demorado. Se o cumprir, sairá mais forte e resistente. As experiências da
Alemanha ou da América Latina, a quem a austeridade do início do século
permitiu resistir com sucesso à crise seguinte, mostram bem como os sacrifícios
valem a pena. Se os rejeitarmos, esperam-nos décadas de estagnação, como na
Grécia actual ou em Portugal há cem anos.
A conclusão
indiscutível é não existir outro caminho senão aperto e reforma. Só não sabemos
a rapidez e a eficácia com que será seguido. Uma sociedade flexível e diligente
consegue resultados mais rápidos. Neste campo, Portugal é um exemplo
internacional. Apesar dos protestos compreensíveis, muitos portugueses têm
resistido aos cantos de sereia da facilidade, mudando de vida enquanto suportam
os brutais correctivos. Nesta vasta crise europeia, o País destaca-se pela
positiva.
Se o quadro geral
é simples, as miríades de opções diárias que o definem são complexas. Aí é
fundamental um outro princípio económico, que a generalidade das análises mediáticas
omite. A Economia lida com escolhas, comparando custos e benefícios,
maximizando o ganho líquido. Esta é a sua abordagem lógica e pragmática, com
resultados provados, mas, como todas, com limites.
A economia
funciona mal no absoluto, pois face à transcendência não há escolhas.
Ora um dos truques
mais usados pelos que não querem mudar de vida é fingir que a questão em debate
é metafísica. Por isso, boa parte das argumentações actuais parecem religiosas,
invocando valores imperiosos, taxativos, que apenas admitem a solução
inelutável que o arguente preconiza. Assim não há escolha e a discussão cessa.
Portugal sairá da
crise, mas apenas se usar a economia. Esta é uma ciência estranha, com
princípios elementares de aplicação complexa. A consequência é uma enorme
quantidade de ideias falsas mesmo parecidas com a verdade. É muito fácil usar
argumentos aparentemente sólidos para dizer grandes asneiras. Hoje, esses
disparates plausíveis dominam as discussões.
=Diário de Notícias=
PS: Como alguns chegam onde chegaram, é um
grande mistério..!!!
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