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quinta-feira, 2 de maio de 2013

«FUNDO CÉLTICO E FUNDO LATINO»

Os portugueses não são, como o afirmam por vezes, uma raça latina, mas uma civilização, onde o fundo latino ocupa um lugar essencial.

O espírito português revela imediatamente, quando se considera, duas tendências contraditórias: uma que o liga a Sancho, e a outra a Dom Quixote.

Antes de mais o português tem uma tendência prática e mesmo terra-a-terra, que se exprime sobretudo no temperamento e no comportamento tradicional dos cidadãos. A origem é, principalmente céltica, uma vez que o celta, poeta ou fantasista, se sente ligado à família, ao sol, a tudo o que o enraíza ao seu meio.

É por aí que nos distinguimos, essencialmente, dos anglo-saxónicos e dos nórdicos e é na vida privada que esses traços se desenvolvem com mais força, pois na vida pública, parece tratar-se de outro homem.

Deste ponto de vista, como chefe de família, como membro desta família ou como indivíduo, o português testemunha num sentido estrito o interesse material, um gosto quase apaixonado pela propriedade individual, no sentido romano do termo (uti et abuti, é bem assim que a entende).

Nos assuntos privados é um ser de bom senso, possuindo um formidável grau de espírito de medida: quase lhe reprovam de não visar mais alto, de se contentar com muito pouco, de ficar satisfeito com um parco salário, e ele pensa…

Na existência de cada dia, é um realista, que tem os pés assentes no chão e que não poupa as palavras. Os assuntos dos portugueses são, em geral bem geridos, pelo menos assim o dizem os encarregados de tal tarefa, palavras com as quais a maioria dos cidadãos não concorda actualmente, considerando os seus “gerentes” catastróficos, de tal modo que deveriam demitir-se todos ou serem todos demitidos.

Suas mulheres esmeram-se na lavagem das roupas, cozinham com carinho e ao mesmo tempo ocupam-se dos filhos amorosamente e nenhum deles gosta de dever dinheiro seja a quem for, fazendo com que o seu orçamento familiar seja equilibrado ao cêntimo, e se as depreciações monetárias rendem esta sã gestão impossível, é com verdadeira nostalgia que lamentam o tempo em que se podia, mesmo ao preço de um certo sacrifício, ligar os dois fins, conformes às regras da sabedoria financeira que herdaram de seus pais.

Esta sabedoria, é o espírito de poupança que o leva à emigração, onde são susceptíveis de se tornarem os melhores trabalhadores do mundo, não podendo sê-lo no seu próprio país devido às políticas, continuadas, de austeridade e de desemprego.

Num velho país como o nosso, onde o dinheiro é difícil de ganhar, devido às causas por todos conhecidas e à tremenda corrupção existente, aos permanentes roubos praticados pelos políticos governantes, o que torna natural que cada um se defenda quer da fome quer da miséria que lhes oferecem numa bandeja de chumbo…

Não está aí, todavia, que um aspecto do nosso carácter, que contradiz uma tendência, não menos evidente, rumo ao universalismo e ao desinteresse.

Seguro dos seus interesses e limitando rapidamente as suas ambições a esse respeito, o português liberta o seu espírito por uma espécie de embraiagem entre a acção e o pensamento.

Eleva-se, então, até ao desinteresse intelectual, por um processo de dissociação em que só ele acredita, junta-se aos outros e juntos saem às ruas em manifestações que demonstram demasiado bem o desespero que o afecta.

O português conseguiu ultrapassar os becos e vielas do nacionalismo ou da étnia, para se elevar na noção propriamente humanista, do homem, sendo pr isso que a nossa capacidade e a faculdade de libertar os espíritos, de abrir as janelas que surjam verdadeiramente abertas aos seus anseios.


Este traço vimo-lo, é latino, e todos o temos sem dúvida da latinidade pelo classicismo, que é a base de toda a nossa educação e rumo ao qual nos conduz sempre o nosso instinto nacional mais profundo.

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