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terça-feira, 7 de maio de 2013

A República democrática

Já vimos em anterior crónica neste jornal que a mais importante conquista da revolução do 25 de Abril de 1974 foi a instauração do estado de direito democrático. Vimos também que os princípios por que o estado de direito se rege são a juridicidade, a constitucionalidade, a consagração de um sistema de direitos fundamentais e a regra da separação de poderes.

Historicamente, a forma como o estado de direito melhor se realiza é através da república democrática. Não quer isso dizer que não haja monarquias que não sejam estados de direito. Mas são-no apenas na medida em que assimilaram alguns dos mais relevantes princípios republicanos e abandonaram os arquétipos tradicionais da realeza.

O princípio democrático, por excelência, ou seja, o princípio da plenitude da soberania popular, entra em contradição aberta com os princípios matriciais de qualquer monarquia, desde logo quanto à proveniência do poder. Na monarquia o rei quando detém poder recebe-o de Deus; na República o poder provém sempre do povo. Numa monarquia o soberano é historicamente irresponsável perante os seus súbditos, respondendo apenas perante Deus, mas numa República o chefe de Estado é responsabilizado perante o povo. Na monarquia, o rei não é escolhido democraticamente, antes herda o poder através de um complicado processo sucessório dentro de certas famílias; na República o chefe de Estado é escolhido direta ou indiretamente pelo povo através dos mecanismos de sufrágio democrático.

Dificilmente algum rei aceitaria receber o poder diretamente do povo, pois isso seria uma negação da natureza genética do próprio regime. Na monarquia o povo deve prestar vassalagem ao rei - quando muito aclamá-lo, mas não escolhê-lo nem legitimá-lo. Numa República todos somos cidadãos, na monarquia todos são súbditos. Na República todos somos, na diversidade de cada um, iguais perante a lei; na monarquia há súbditos (os nobres) a quem o rei concede direitos especiais (privilégios) em relação a outros (a plebe). Na República a solução de qualquer problema jurídico está numa lei (geral, abstrata e objetiva) anterior ao próprio problema; na monarquia a solução dos problemas está em regra na vontade casuística e subjetiva do monarca.

Postas as coisas assim, nessa singeleza, poderíamos então dizer que a República é um regime democrático perfeito. Não. É um sistema de governo concebido por cidadãos para os cidadãos. É um regime feito por homens para homens e, portanto, muito longe da perfeição. É um modelo de governação assente na vontade popular que permanentemente tenta aperfeiçoar as formas de captar e interpretar essa vontade para melhor servir a comunidade no seu conjunto. Adaptando as palavras de um primeiro-ministro de uma monarquia (Winston Churchill), dir-se-ia que a República é o pior dos regimes políticos com exceção de todos os outros. Ao democratizarem-se muitas monarquias assimilaram o que de melhor existe na República, nomeadamente alguns dos seus valores matriciais como a liberdade, a justiça e a solidariedade.

Infelizmente, se hoje lançarmos um olhar para algumas repúblicas como a portuguesa, poderemos dizer que nunca houve tanta liberdade política como agora, mas também nunca depois do 25 de Abril a democracia foi tão aviltada e a solidariedade tão vazia de sentido.

A democracia assenta na livre escolha pelos cidadãos de quem vai exercer os poderes soberanos do Estado. Essa escolha é feita de entre aqueles que se apresentam a sufrágio com as respetivas propostas de atuação. Ora, o que realmente sucede, hoje, em algumas repúblicas como a portuguesa, é que a esmagadora maioria das medidas que os eleitos executam não são as que foram apresentadas a sufrágio. As que o foram eram, em muitos casos, contrárias às que agora estão a ser executadas. Nessa medida, poder--se-á dizer que os eleitores foram enganados, foram burlados politicamente, pois acreditaram na palavra daqueles que se apresentaram às eleições com um programa e, uma vez eleitos, logo passaram a executar outro. Essa mentira é, seja qual for a intenção dos seus autores, uma perigosa degenerescência da democracia que põe em causa os alicerces da própria República.


J. N. 

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