Já vimos em anterior crónica neste jornal que
a mais importante conquista da revolução do 25 de Abril de 1974 foi a
instauração do estado de direito democrático. Vimos também que os princípios
por que o estado de direito se rege são a juridicidade, a constitucionalidade,
a consagração de um sistema de direitos fundamentais e a regra da separação de
poderes.
Historicamente, a forma como o estado de
direito melhor se realiza é através da república democrática. Não quer isso
dizer que não haja monarquias que não sejam estados de direito. Mas são-no
apenas na medida em que assimilaram alguns dos mais relevantes princípios
republicanos e abandonaram os arquétipos tradicionais da realeza.
O princípio democrático, por excelência, ou
seja, o princípio da plenitude da soberania popular, entra em contradição
aberta com os princípios matriciais de qualquer monarquia, desde logo quanto à
proveniência do poder. Na monarquia o rei quando detém poder recebe-o de Deus;
na República o poder provém sempre do povo. Numa monarquia o soberano é
historicamente irresponsável perante os seus súbditos, respondendo apenas
perante Deus, mas numa República o chefe de Estado é responsabilizado perante o
povo. Na monarquia, o rei não é escolhido democraticamente, antes herda o poder
através de um complicado processo sucessório dentro de certas famílias; na
República o chefe de Estado é escolhido direta ou indiretamente pelo povo
através dos mecanismos de sufrágio democrático.
Dificilmente algum rei aceitaria receber o
poder diretamente do povo, pois isso seria uma negação da natureza genética do
próprio regime. Na monarquia o povo deve prestar vassalagem ao rei - quando
muito aclamá-lo, mas não escolhê-lo nem legitimá-lo. Numa República todos somos
cidadãos, na monarquia todos são súbditos. Na República todos somos, na
diversidade de cada um, iguais perante a lei; na monarquia há súbditos (os
nobres) a quem o rei concede direitos especiais (privilégios) em relação a
outros (a plebe). Na República a solução de qualquer problema jurídico está numa
lei (geral, abstrata e objetiva) anterior ao próprio problema; na monarquia a
solução dos problemas está em regra na vontade casuística e subjetiva do
monarca.
Postas as coisas assim, nessa singeleza,
poderíamos então dizer que a República é um regime democrático perfeito. Não. É
um sistema de governo concebido por cidadãos para os cidadãos. É um regime
feito por homens para homens e, portanto, muito longe da perfeição. É um modelo
de governação assente na vontade popular que permanentemente tenta aperfeiçoar
as formas de captar e interpretar essa vontade para melhor servir a comunidade
no seu conjunto. Adaptando as palavras de um primeiro-ministro de uma monarquia
(Winston Churchill), dir-se-ia que a República é o pior dos regimes políticos
com exceção de todos os outros. Ao democratizarem-se muitas monarquias
assimilaram o que de melhor existe na República, nomeadamente alguns dos seus
valores matriciais como a liberdade, a justiça e a solidariedade.
Infelizmente, se hoje lançarmos um olhar para
algumas repúblicas como a portuguesa, poderemos dizer que nunca houve tanta
liberdade política como agora, mas também nunca depois do 25 de Abril a
democracia foi tão aviltada e a solidariedade tão vazia de sentido.
A democracia assenta na livre escolha pelos
cidadãos de quem vai exercer os poderes soberanos do Estado. Essa escolha é
feita de entre aqueles que se apresentam a sufrágio com as respetivas propostas
de atuação. Ora, o que realmente sucede, hoje, em algumas repúblicas como a
portuguesa, é que a esmagadora maioria das medidas que os eleitos executam não
são as que foram apresentadas a sufrágio. As que o foram eram, em muitos casos,
contrárias às que agora estão a ser executadas. Nessa medida, poder--se-á dizer
que os eleitores foram enganados, foram burlados politicamente, pois
acreditaram na palavra daqueles que se apresentaram às eleições com um programa
e, uma vez eleitos, logo passaram a executar outro. Essa mentira é, seja qual
for a intenção dos seus autores, uma perigosa degenerescência da democracia que
põe em causa os alicerces da própria República.
J. N.
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