Se fizesse este desafio em público, perante determinado meio
social, com toda a certeza que todos ficariam sentados, pois não quereriam
aceitar que já algum dia haviam roubado, e muito possivelmente, esse e outros
roubos que se seguiram, deram lugar a boas e suculentas fortunas que, muito
possivelmente se encontram em paraísos fiscais, para que ninguém lhes possa
tocar, mesmo que o quisessem fazer.
Há muitos anos atrás conheci um indivíduo que afirmava ter
enriquecido honestamente, e que toda a sua riqueza se devia ao seu trabalho,
que sempre fora honesto, sem nada que se lhe pudesse apontar.
Um dia, quis o acaso que se aborrecesse com um outro
indivíduo, que com ele se zangasse, que melindrado com o assunto, pôs a
descoberto o seu passado, com tamanhas provas que o ricaço foi julgado e
condenado a longos anos de prisão.
De nada lhe serviu todo o dinheiro, fruto dos seus roubos,
e, como não existiam ainda os paraísos fiscais, viu confiscada toda a sua
fortuna, metido na cadeia por longos anos, conforme a condenação decretada
pelos juízes.
Não demorou muito tempo a que o seu corpo aparecesse, uma
bela manhã, pendurado pelo pescoço, tendo a autópsia revelado ter-se tratado de
suicídio, tendo para tal usado os lençóis.
Tratava-se de um indivíduo belicoso, nada amigo de dar algo
de “seu”, mas como se vivia num regime
bem diferente, foi parar à cadeia e foram-lhe arrestados todos os bens que
estavam em seu nome.
Escusado será dizer que sua mulher e filhos ficaram na
miséria, à qual não estavam habituados, e que, tendo em consideração que o
culpado tinha sido severamente punido, alguns ainda tiveram pena dos filhos e
da mulher, considerando-os vítimas do ladrão avarento.
Um de seus filhos era mais ou menos da minha idade e
frequentava o mesmo liceu e até era da mesma turma que eu.
Havia quem chamasse ao tal indivíduo o “menino de ouro”, tal
era a fortuna de que gozava enquanto não foi descoberto, julgado e condenado.
Os filhos deixaram de estudar, pois nem dinheiro tinham para
custear as despesas com os livros e que se comiam alguma coisa, era por
caridade.
O mais velho, da minha idade, conseguiu um emprego, juntou
dinheiro e decidiu ir para África, levando consigo sua mãe e seus irmãos.
Após ter terminado os estudos, com a licenciatura no bolso,
alguém teve a ideia de me convidar para fazer certas viagens pela Europa e pela
África, onde me deslocava frequentemente, tendo podido vê-lo em Angola antes
da descolonização.
Era um “senhor”, mas preferiu não me reconhecer, o que
respeitei plenamente. Ora, após a descolonização, depois do 25 de Abril de
1974, uma bela tarde, dei de caras com ele numa rua do Porto, mas lembrando-me
do que se passara em Angola, fiz de conta que o não conhecia.
Aí, foi ele quem, dirigindo-se a mim, quis saber se não me
recordava dele. Preferi ser educado e dizer-lhe que não. Disse o seu nome, que
tinha regressado de Angola há dias, e que se sentia capaz de conquistar o
mundo, pois todos os seus bens tinham ficado em África, na posse dos “pretos”.
Aí não me contive e disse-lhe duas coisas que o abalaram,
dizendo-lhe que não admitia que na minha frente tentasse sequer insultar os
africanos, que certamente deveriam possuir uma alma mais branca que a dele.
Nunca pude com racistas.
E hoje, meus amigos, ele anda por aí e pelos vistos
recuperou toda a sua arrogãncia e soberba, embora publicamente simule ser
democrata, quando não passa de um reles racista.
Sei que vive bem, e que seus irmãos também, mas não sei mais
nada nem quero saber, mas sei que, por sua culpa e de alguns como ele, é que
muitos concidadãos vivem miseravelmente.
Realmente, a vida tem muitas surpresas e ele é uma surpresa
viva e, embora nunca tenha sido inteligente, soube guindar-se na vida, não sem
certas ajudas, e penso que, como seu pai, ficará à espera que alguém o denuncie
um dia. Se tal acontecer, limitar-me-ei a lamentá-lo, nada mais.
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