Número total de visualizações de páginas

sábado, 9 de março de 2013

«SE NUNCA ROUBOU, LEVANTE-SE»


Se fizesse este desafio em público, perante determinado meio social, com toda a certeza que todos ficariam sentados, pois não quereriam aceitar que já algum dia haviam roubado, e muito possivelmente, esse e outros roubos que se seguiram, deram lugar a boas e suculentas fortunas que, muito possivelmente se encontram em paraísos fiscais, para que ninguém lhes possa tocar, mesmo que o quisessem fazer.

Há muitos anos atrás conheci um indivíduo que afirmava ter enriquecido honestamente, e que toda a sua riqueza se devia ao seu trabalho, que sempre fora honesto, sem nada que se lhe pudesse apontar.

Um dia, quis o acaso que se aborrecesse com um outro indivíduo, que com ele se zangasse, que melindrado com o assunto, pôs a descoberto o seu passado, com tamanhas provas que o ricaço foi julgado e condenado a longos anos de prisão.

De nada lhe serviu todo o dinheiro, fruto dos seus roubos, e, como não existiam ainda os paraísos fiscais, viu confiscada toda a sua fortuna, metido na cadeia por longos anos, conforme a condenação decretada pelos juízes.

Não demorou muito tempo a que o seu corpo aparecesse, uma bela manhã, pendurado pelo pescoço, tendo a autópsia revelado ter-se tratado de suicídio, tendo para tal usado os lençóis.

Tratava-se de um indivíduo belicoso, nada amigo de dar algo de “seu”, mas como se vivia num  regime bem diferente, foi parar à cadeia e foram-lhe arrestados todos os bens que estavam em seu nome.

Escusado será dizer que sua mulher e filhos ficaram na miséria, à qual não estavam habituados, e que, tendo em consideração que o culpado tinha sido severamente punido, alguns ainda tiveram pena dos filhos e da mulher, considerando-os vítimas do ladrão avarento.

Um de seus filhos era mais ou menos da minha idade e frequentava o mesmo liceu e até era da mesma turma que eu.

Havia quem chamasse ao tal indivíduo o “menino de ouro”, tal era a fortuna de que gozava enquanto não foi descoberto, julgado e condenado.

Os filhos deixaram de estudar, pois nem dinheiro tinham para custear as despesas com os livros e que se comiam alguma coisa, era por caridade.

O mais velho, da minha idade, conseguiu um emprego, juntou dinheiro e decidiu ir para África, levando consigo sua mãe e seus irmãos.

Após ter terminado os estudos, com a licenciatura no bolso, alguém teve a ideia de me convidar para fazer certas viagens pela Europa e pela África, onde me deslocava frequentemente, tendo podido vê-lo em Angola antes da  descolonização.

Era um “senhor”, mas preferiu não me reconhecer, o que respeitei plenamente. Ora, após a descolonização, depois do 25 de Abril de 1974, uma bela tarde, dei de caras com ele numa rua do Porto, mas lembrando-me do que se passara em Angola, fiz de conta que o não conhecia.

Aí, foi ele quem, dirigindo-se a mim, quis saber se não me recordava dele. Preferi ser educado e dizer-lhe que não. Disse o seu nome, que tinha regressado de Angola há dias, e que se sentia capaz de conquistar o mundo, pois todos os seus bens tinham ficado em África, na posse dos “pretos”.

Aí não me contive e disse-lhe duas coisas que o abalaram, dizendo-lhe que não admitia que na minha frente tentasse sequer insultar os africanos, que certamente deveriam possuir uma alma mais branca que a dele. Nunca pude com racistas.

E hoje, meus amigos, ele anda por aí e pelos vistos recuperou toda a sua arrogãncia e soberba, embora publicamente simule ser democrata, quando não passa de um reles racista.

Sei que vive bem, e que seus irmãos também, mas não sei mais nada nem quero saber, mas sei que, por sua culpa e de alguns como ele, é que muitos concidadãos vivem miseravelmente.

Realmente, a vida tem muitas surpresas e ele é uma surpresa viva e, embora nunca tenha sido inteligente, soube guindar-se na vida, não sem certas ajudas, e penso que, como seu pai, ficará à espera que alguém o denuncie um dia. Se tal acontecer, limitar-me-ei a lamentá-lo, nada mais.

Sem comentários:

Enviar um comentário