Fernando Medina, deputado do PS e secretário de Estado
da Economia do Governo de Sócrates, defende um novo consenso nacional para
renegociar com a troika, até a dívida do país. "Vamos ter de abrir um
braço-de-ferro com a Europa", avisa.
O PS correu um risco,
como disse Vitalino Canas, ao censurar o Governo antes de uma decisão do
Tribunal Constitucional (TC) ou de dados mais concretos da execução orçamental,
contribuindo para desencadear uma crise política?
Não creio, nem acho que a moção possa ser vista nestes
termos. Ela tem uma justificação que é evidente: estamos na situação económica
e dramática conhecida da nossa história, por via de uma execução desajustada do
memorando. Isto porque não houve capacidade de o ajustar ao abrandamento da
Europa e pelas decisões erradas do Governo. Pior: os resultados da sétima
avaliação são na prática fazer o mesmo que falhou até aqui.
Quando o PEC IV foi
chumbado, o PS disse que a crise política iria prejudicar o país. E que a
oposição seria responsável por desencadear o pedido de ajuda. O efeito não será
parecido?
Os actos não têm o mesmo efeito porque a esquerda não
tem maioria na Assembleia da República. Mas nós estamos a chegar a um ponto em
que os riscos de uma crise são menores face à manutenção da situação como ela
está. Não temos como gerir uma sociedade com 20% de desemprego, mais de um
milhão de portugueses sem trabalho e um número crescente de pessoas sem
protecção social.
Quem merece mais
censura? O Governo ou a troika?
O Governo conduziu muito mal o processo de
ajustamento. Todos sabíamos que era um processo muito delicado, que tinha de
ser gerido com muita prudência. Desde logo no crescimento económico, na
manutenção do equilíbrio político, também o equilíbrio social – porque o
programa era de facto muito exigente.
Que houvesse uma recessão, mais
desemprego, tudo isso é o programa. Mas era feito para um período de tempo mais
concentrado e feito com determinada dose.
E tudo foi ultrapassado, fazendo
derrapar o próprio processo de ajustamento. E quem pilotou estes dois anos foi
o Governo. A partir da quinta avaliação tudo era evidente para toda a gente.
Devia ter sido um ponto de inflexão e foi de acentuação. O Governo não cuidou
dos equilíbrios. Agora, é evidente que a troika tem uma grande responsabilidade
sobre o que está a ocorrer.
Mas não os ponho ao mesmo nível: tem de ser o
Governo a ter a capacidade de se entender e defender as melhores soluções junto
dos credores. Não o fez, por convicção de que assim seria mais eficaz.
Faz sentido apresentar
uma censura ao Governo e, de seguida, escrever à troika a explicar que os
objectivos se mantêm?
É essencial ter o realismo de manter um diálogo com os
credores.
E dizer que mantém os
objectivos mas quer renegociar?
Com franqueza, eu não li a carta. A mensagem fundamental
é que é absolutamente essencial a renegociação.
Em que termos?
A primeira frente é a de estabilizar a procura
interna. Só na Grécia há paralelo com o grau de austeridade que tivemos,
tornando os esforços inúteis para a consolidação orçamental. E há outro efeito,
que é a incerteza das pessoas. Ninguém se mexe: restrições no consumo, no
investimento. Estabilizar isto significa parar por completo esta política de
austeridade em ambiente recessivo e assumir medidas como um acordo de
rendimentos de médio prazo. Outra frente é a da melhoria da produtividade. A
ideia do Governo de reduções salariais é profundamente errada – o país não pode
caminhar para salários asiáticos. Sou a favor de que exploremos todos os
espaços de diferenciação potenciais na zona euro. A área fiscal é uma delas. E
terá de haver um debate na zona euro de como se criam as condições financeiras
para reassumir um processo de convergência da periferia com o centro da Europa,
que não só estagnou como, com esta crise, se acentuou. A decisão tomada no
Chipre sobre os depósitos bancários não faz mais do que aumentar essa
divergência. Hoje estamos com diferenças de financiamento que acentuam a
desvantagem da periferia.
Nos dois eixos, vejo
uma necessidade absoluta de abrir um braço-de-ferro enorme com a Europa.
É verdade. No meu entender, a política europeia no que
respeita à periferia não funciona. E vai ser um grande desafio nos próximos
anos, até da nossa política interna. É que nós aderimos à União Europeia com
uma aspiração de convergência.
Os braços-de-ferro não
têm sido casos de sucesso. Os dois últimos governos da Grécia, o do Chipre,
nenhum teve sucesso quando tentou fazer essa discussão. Até que ponto Portugal
tem força para o fazer?
Não escondo que todo este processo é de grande
dificuldade e exigência. E acho até, por essa razão, que o ponto de partida
para esse processo terá de ser um novo consenso na sociedade portuguesa sobre a
nossa trajectória de ajustamento. Sem isso não se criam as condições para um
diálogo bem sucedido. Mas a realidade não é estática e está muito longe de ser
desfavorável. Hoje é evidente que os danos da periferia estão a chegar ao Norte
e que o perpetuar das situações está a ampliar os riscos. Há seis meses ninguém
diria que estivessem em causa os depósitos bancários. Esta receita está a
colocar vários países em situação insustentável.
Dizia que a crise
política não é condição suficiente...
Porque vamos enfrentar o debate. Mas precisamos de nos
entender antes sobre como deve ser o novo processo de ajustamento. E depois ter
a solução política necessária para que seja implementada e negociada. Nós
estamos numa situação que vai testar o nosso regime ao limite. Qualquer solução
que estreite a base política está condenada a falhar, e já numa situação limite
para o país.
É possível estar
preparado para governar sem encarar a renegociação da dívida?
Não. Devemos preparar o país para termos, no melhor
dos casos, uma estagnação muito prolongada. Temos de ter, em todas as frentes,
soluções que aguentem este período. Isso significa olhar de frente para a
dívida. A estratégia inicial do memorando – e do Governo – era adequada: evitar
a renegociação, mas ir aproveitando todos os espaços para renegociações
discretas, como fez a Irlanda. Na expectativa de uma solução global, como a da
criação de um fundo de redenção europeu, que abrangeria todos os países na
parte acima dos 60%. Uma mutualização dessa dívida. Neste momento, em que o
cenário é outro, é um processo inescapável ter de se encontrar espaços para a
melhoria da sustentabilidade da dívida. Há soluções péssimas, e outras
aceitáveis.
Como a proposta por Miguel Cadilhe, com a manutenção dos valores da
dívida, mas com um alongamento muito grande das maturidades e com juros muito
mais baixos dos actuais. Precisaremos sempre do apoio dos nossos parceiros e de
um processo negociado.
É legítimo concluir
que Portugal já não tem o destino nas suas mãos?
Não, nós temos a capacidade interna para sermos
capazes.
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