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sexta-feira, 29 de março de 2013

'Riscos de crise são menores do que manter actual situação'


Fernando Medina, deputado do PS e secretário de Estado da Economia do Governo de Sócrates, defende um novo consenso nacional para renegociar com a troika, até a dívida do país. "Vamos ter de abrir um braço-de-ferro com a Europa", avisa.
O PS correu um risco, como disse Vitalino Canas, ao censurar o Governo antes de uma decisão do Tribunal Constitucional (TC) ou de dados mais concretos da execução orçamental, contribuindo para desencadear uma crise política?

Não creio, nem acho que a moção possa ser vista nestes termos. Ela tem uma justificação que é evidente: estamos na situação económica e dramática conhecida da nossa história, por via de uma execução desajustada do memorando. Isto porque não houve capacidade de o ajustar ao abrandamento da Europa e pelas decisões erradas do Governo. Pior: os resultados da sétima avaliação são na prática fazer o mesmo que falhou até aqui.

Quando o PEC IV foi chumbado, o PS disse que a crise política iria prejudicar o país. E que a oposição seria responsável por desencadear o pedido de ajuda. O efeito não será parecido?

Os actos não têm o mesmo efeito porque a esquerda não tem maioria na Assembleia da República. Mas nós estamos a chegar a um ponto em que os riscos de uma crise são menores face à manutenção da situação como ela está. Não temos como gerir uma sociedade com 20% de desemprego, mais de um milhão de portugueses sem trabalho e um número crescente de pessoas sem protecção social.

Quem merece mais censura? O Governo ou a troika?
O Governo conduziu muito mal o processo de ajustamento. Todos sabíamos que era um processo muito delicado, que tinha de ser gerido com muita prudência. Desde logo no crescimento económico, na manutenção do equilíbrio político, também o equilíbrio social – porque o programa era de facto muito exigente. 

Que houvesse uma recessão, mais desemprego, tudo isso é o programa. Mas era feito para um período de tempo mais concentrado e feito com determinada dose.

 E tudo foi ultrapassado, fazendo derrapar o próprio processo de ajustamento. E quem pilotou estes dois anos foi o Governo. A partir da quinta avaliação tudo era evidente para toda a gente. Devia ter sido um ponto de inflexão e foi de acentuação. O Governo não cuidou dos equilíbrios. Agora, é evidente que a troika tem uma grande responsabilidade sobre o que está a ocorrer.

 Mas não os ponho ao mesmo nível: tem de ser o Governo a ter a capacidade de se entender e defender as melhores soluções junto dos credores. Não o fez, por convicção de que assim seria mais eficaz.

Faz sentido apresentar uma censura ao Governo e, de seguida, escrever à troika a explicar que os objectivos se mantêm?

É essencial ter o realismo de manter um diálogo com os credores.

E dizer que mantém os objectivos mas quer renegociar?
Com franqueza, eu não li a carta. A mensagem fundamental é que é absolutamente essencial a renegociação.

Em que termos?

A primeira frente é a de estabilizar a procura interna. Só na Grécia há paralelo com o grau de austeridade que tivemos, tornando os esforços inúteis para a consolidação orçamental. E há outro efeito, que é a incerteza das pessoas. Ninguém se mexe: restrições no consumo, no investimento. Estabilizar isto significa parar por completo esta política de austeridade em ambiente recessivo e assumir medidas como um acordo de rendimentos de médio prazo. Outra frente é a da melhoria da produtividade. A ideia do Governo de reduções salariais é profundamente errada – o país não pode caminhar para salários asiáticos. Sou a favor de que exploremos todos os espaços de diferenciação potenciais na zona euro. A área fiscal é uma delas. E terá de haver um debate na zona euro de como se criam as condições financeiras para reassumir um processo de convergência da periferia com o centro da Europa, que não só estagnou como, com esta crise, se acentuou. A decisão tomada no Chipre sobre os depósitos bancários não faz mais do que aumentar essa divergência. Hoje estamos com diferenças de financiamento que acentuam a desvantagem da periferia.

Nos dois eixos, vejo uma necessidade absoluta de abrir um braço-de-ferro enorme com a Europa.

É verdade. No meu entender, a política europeia no que respeita à periferia não funciona. E vai ser um grande desafio nos próximos anos, até da nossa política interna. É que nós aderimos à União Europeia com uma aspiração de convergência.

Os braços-de-ferro não têm sido casos de sucesso. Os dois últimos governos da Grécia, o do Chipre, nenhum teve sucesso quando tentou fazer essa discussão. Até que ponto Portugal tem força para o fazer?

Não escondo que todo este processo é de grande dificuldade e exigência. E acho até, por essa razão, que o ponto de partida para esse processo terá de ser um novo consenso na sociedade portuguesa sobre a nossa trajectória de ajustamento. Sem isso não se criam as condições para um diálogo bem sucedido. Mas a realidade não é estática e está muito longe de ser desfavorável. Hoje é evidente que os danos da periferia estão a chegar ao Norte e que o perpetuar das situações está a ampliar os riscos. Há seis meses ninguém diria que estivessem em causa os depósitos bancários. Esta receita está a colocar vários países em situação insustentável.

Dizia que a crise política não é condição suficiente...
Porque vamos enfrentar o debate. Mas precisamos de nos entender antes sobre como deve ser o novo processo de ajustamento. E depois ter a solução política necessária para que seja implementada e negociada. Nós estamos numa situação que vai testar o nosso regime ao limite. Qualquer solução que estreite a base política está condenada a falhar, e já numa situação limite para o país.

É possível estar preparado para governar sem encarar a renegociação da dívida?

Não. Devemos preparar o país para termos, no melhor dos casos, uma estagnação muito prolongada. Temos de ter, em todas as frentes, soluções que aguentem este período. Isso significa olhar de frente para a dívida. A estratégia inicial do memorando – e do Governo – era adequada: evitar a renegociação, mas ir aproveitando todos os espaços para renegociações discretas, como fez a Irlanda. Na expectativa de uma solução global, como a da criação de um fundo de redenção europeu, que abrangeria todos os países na parte acima dos 60%. Uma mutualização dessa dívida. Neste momento, em que o cenário é outro, é um processo inescapável ter de se encontrar espaços para a melhoria da sustentabilidade da dívida. Há soluções péssimas, e outras aceitáveis.

 Como a proposta por Miguel Cadilhe, com a manutenção dos valores da dívida, mas com um alongamento muito grande das maturidades e com juros muito mais baixos dos actuais. Precisaremos sempre do apoio dos nossos parceiros e de um processo negociado.

É legítimo concluir que Portugal já não tem o destino nas suas mãos?

Não, nós temos a capacidade interna para sermos capazes.


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