Para se não deixar ir ao ponto de esquecer o
interesse do doente, para não ultrapassar o que lhe é permitido, é preciso que
a cirurgia conserve a preocupação do humano, o cirurgião mantendo-se o servidor
compreensivo e respeitoso do homem doente.
Todo o cirurgião deve ter o sentimento
profundo do respeito devido a cada um dos cidadãos, à pessoa humana.
Presença do homem na cirurgia, poder-se-ia
dizer!
Procurei uma palavra para designar o que
pretendia exprimir assim (…) A de humanismo impôs-se-me; humanismo: atracção do
homem para o ser humano, preocupação do individual, procura de cada um na sua
verdade.
Bem sei que na tradição da escola, a palavra
humanismo tem todo um outro significado e nem deveria compreender-se que de uma
atitude desejada da inteligência.
Mas, nos nossos dias e no termo de uma longa
meditação, a concepção humanista afirmou-se mais ampla que nunca. Toma por
objecto o homem todo ele, o homem indivíduo, nas obras do seu espírito, nos
movimentos da sua inteligência e do seu coração, nas suas inquietações, nas
suas esperanças, na sua aspiração à vida.
É, pois, uma corrente de pensamento que se
pode fazer passar através da cirurgia.
De facto, este humanismo, é o que todo o
médico sentir despertar em si no contacto com o sofrimento e a miséria dos
homens.
É o que permite ao cirurgião estar próximo do
doente atormentado, próximo sem esforço, sem palavras aprendidas desde que a
doença aflora e faz vir à superfície da vida secreta onde a psicanálise
encontrou matéria a explorar tantas revelações. Só ele pode manter a cirurgia
na linha direita, pois ele é a única moral que pode fixar, para cada cidadão, o
limite dos direitos e o dos deveres.
Infelizmente, as faculdades de medicina não
se preocupam. Não ensinam esta ciência do homem total (…). Sem dúvida, no
hospital, diariamente, mestres de alta consciência pregam o humanismo para
exemplo de todos. Mas o quadro das lições vividas e por vezes de tal modo
inumanas que a ideia se dilui.
Nos hospitais, tudo o choque o humanismo: a
promiscuidade dos corpos, a violação das intimidades secretas, o impudor da
vizinhança, o contacto permanente com o sofrimento, a indiferença perante a
morte.
Assim, pode-se abordar a cirurgia sem se ter
compreendido o valor humano, sem estar moralmente preparado para o que se
impõe. E é daí que vem o maior perigo.
Sem dúvida, os médicos são geralmente
impregnados de uma cultura clássica que ajuda a compreender o homem, mas na
idade em que se colocou em contacto com o pensamento antigo, o futuro médico é
demasiado jovem para compreender o significado real.
E é mais tarde, e dele mesmo, que, sensível à
miséria dos homens, o médico encontra na cama do doente o verdadeiro sentido da
sua profissão.
É verdade, a maioria dos médicos são
humanistas, mas talvez fosse bom que não se deixe para trás duas mensagens da
experiência.
É o porquê de haver lugar a dizer que os
deveres do pensamento humanista impõe aos médicos, cirurgiões, porque é que a
cirurgia deverá ser sempre à medida do homem, nunca à da sua carteira ou conta
bancária.
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