Quando por toda a parte vós nos opondes “o
absoluto”, afectais um arzinho profundo, inacessível, como se vos debatesseis,
num mundo longínquo, com uma luz, com trevas que vos pertencem, a vós, senhores
de um reino ao qual ninguém, para além de vós, poderá aportar jamais.
Dispensais-nos, a nós, mortais, alguns
pedaços das grandes descobertas que aí acabais de efectuar, alguns restos das
vossas prospecções. Mas nem todos os vossos esforços conseguem que façais mais
do que soltar esse pobre vocábulo, fruto das vossas leituras, da vossa douta
frivolidade, do vosso nada livresco e das vossas angústias do empréstimo.
O absoluto – todos os nossos esforços se
reduzem a minar a sensibilidade que a ele conduz.
A nossa sabedoria – ou antes, a nossa
não-sabedoria – repudia-o; relativista, propõe-nos um equilíbrio, não na
eternidade, mas no tempo.
O absoluto que evolui, essa heresia de Hegel,
tornou-se o nosso dogma, a nossa trágica ortodoxia, a filosofia dos nossos
reflexos.
Quem pensa poder escapar-lhe dá mostras de
jactância ou de cegueira.
Encurralados na aparência, cabe-nos a adopção
de uma sabedoria incompleta, mescla de cisma e de arremedo.
Se a Índia, para citar de novo Hegel,
representa “o sonho do espírito infinito”, a tendência do nosso intelecto, como
a da nossa sensibilidade, obriga-nos a conceber o espírito encarnado, limitado
aos seus caminhos históricos, o espírito puro e simples, que não compreende o
mundo, mas os momentos do mundo, tempo fragmentado a que só raramente
escapamos, quando traímos as nossas aparências.
A esfera da consciência reduz-se na acção;
por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às
propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo
da realidade.
O grau da nossa emancipação mede-se pela
quantidade das iniciativas de que nos libertamos, bem como pela nossa
capacidade de converter em não-objecto todo o objecto.
Mas nada significa falar de emancipação a
propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível
reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos
capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade.
O nosso ofegar postula-as e deforma-as,
cria-as e desfigura-as, a amarra-nos a elas.
Por isso, senhores, queiram descer do
pedestal em que se colocaram e desçam até ao povo que, esse sim, é absoluto.
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