Os protestos já extravasaram as associações
socioprofissionais dos militares. Generais e almirantes saíram do seu
recato para arrasar o ministro da Defesa
A
contestação marchou avenida abaixo. Uma amostra representativa da sociedade
manifestou-se contra a política de austeridade. Minutos depois de ter começado
o desfile, os altifalantes do carro de som do movimento dos Precários
Inflexíveis anunciam: "Estão connosco vários militares enquanto
cidadãos." A multidão aplaudiu.
António Lima Coelho, presidente
da Associação Nacional dos Sargentos não disfarçou um sorriso emocionado.
"As Forças Armadas não são um gueto. Não somos imunes a esta insatisfação.
Os militares são filhos deste povo e não se podem dissociar dele",
dissera, na véspera, à VISÃO.
Despidos da farda, das insígnias
e sem faixas das suas associações, praças, sargentos e oficiais deixaram a
ordem unida e a hierarquia nos quartéis, para marcharem, em descontraído passo
civil, até ao Terreiro do Paço. Iam "solidários com os anseios de uma vida
melhor" (nas palavras dos dirigentes da Associação de Praças) e
"questionando o rumo do País, de que fazemos parte" (nas de Manuel
Cracel, da Associação de Oficiais das Forças Armadas).
Desde o dia 22 de fevereiro que
as habitualmente muito reivindicativas e ruidosas associações
socioprofissionais dos militares têm aliados de peso. As altas patentes saíram,
nesse dia, do seu recato, e reuniram-se em dois jantares, em Lisboa e no Porto.
Eram perto de três centenas de oficiais superiores, generais e almirantes já
fora do serviço - entre eles dez ex-chefes de Estado-Maior. Uma iniciativa
inédita, o pontapé de saída para algo em que capitães de abril de outrora se converteram
em "generais de fevereiro" para contestar os cortes de 218 milhões de
euros no orçamento da tropa e a redução de 8 mil efetivos.
O mal-estar no topo
da hierarquia foi contidamente expresso num comunicado lacónico e preocupado.
Mas o assunto não morreu naquela manifestação de receios difusos das altas
patentes, em relação ao futuro das Forças Armadas, aos riscos da sua
desarticulação e da descaracterização da condição militar, que as podem tornar
"incapazes de satisfazer as necessidades de defesa do País".
Ministro na berlinda
No rescaldo, as réplicas
materializaram-se em ondas de choque sucessivas, tornando o alvo percetível.
Ora em privado ora em declarações à comunicação social, vários oficiais
generais, que já não estão no ativo (aos que estão não são permitidos desabafos
nem estados de alma), têm-se sucedido nas críticas acutilantes à política
de Defesa do Governo. O alvo é o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar Branco,
agora tido como um homem de reduzido peso político no seio do Executivo.
"O ministro não manda totalmente na Defesa, porque depende muito do
Ministério das Finanças", dizia à VISÃO Garcia Leandro, ex-vice-chefe do
Estado-Maior do Exército, na sexta-feira, 1.
No dia seguinte, lia-se, na edição
do Expresso, uma entrevista na qual Luís Valença Pinto, ex-chefe do
Estado--Maior-General das Forças Armadas arrasa o ministro, afirmado que Aguiar
Branco "perdeu as Forças Armadas".
E é demolidor nas suas
declarações à jornalista Luísa Meireles: "O ministro pôs no ar uma série
de sentimentos negativos que agora não sabe controlar e já não creio que sejam
controláveis com ele. Lamento dizê--lo, mas a confiança entre o atual titular e
as FA está irremediavelmente ferida."
A Aguiar Branco assaca-se a
responsabilidade de estar a avançar com cortes, sem que isso obedeça a um
planeamento baseado em estudos e no estabelecimento de objetivos políticos.
Outro crítico é o almirante Melo Gomes, que, aos microfones da Antena 1,
afirmou que "as decisões não têm a ponderação devida".Há muito que os
militares retiraram o benefício da dúvida a Aguiar Branco.
O ministro
perdeu-a, o mais tardar, com o congelamento das carreiras. Mas nunca a situação
foi tão aguda, como agora, com generais tidos como sensatos e moderados a
assumirem o comando da contestação.
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