Se a indústria portuguesa, para fazer
face à concorrência estrangeira, deveu frequentemente, nos nossos dias,
constituir-se em “trusts e cartéis” foi durante muito tempo dirigida por homens
que esperavam manter-se donos dos seus negócios e que a geriam como um bem
estritamente pessoal, ou, quando muito, familiar.
O senhor “Marcolino”, velho de 72 anos, e
bastante rico, fazia da indústria como os velhos ingleses fazem do golfe, com
devoção.
A uma pergunta de seu neto, responde: “para
quê passar uma vida curta a fabricar tecidos?”, teria certamente respondido. “Para
quê viver se não se fabrica?”
Mas, toda a conversa que não tratasse da
técnica da sua especialidade, não era para ele que um ruído negligenciável.
Descendente de lavradores que se tinham
feito tecelões noutros tempos, o senhor “Marcolino” guardava desta origem
camponesa uma necessidade violenta de trabalho e uma desconfiança incrível. As
suas respostas admiravam pelo desprezo selvagem dos homens. Dizia: “Todo o
negócio que me propõem é mau, pois se fosse bom não mo proporiam.” Mas, dizia
também: “Tudo o que não é o próprio a fazer, nunca mais se faz.” “Todas as
informações são falsas.”
A brutalidade das suas respostas
amedrontavam os produtores de lã, cujas mãos tremiam ao abrirem perante ele os
seus embrulhos. Ele não acreditava que a amabilidade e a solvabilidade fossem
virtudes compatíveis, e, a um cliente adulador, cortava-lhe o crédito.
Com os estrangeiros, que tratava de “exóticos”,
sem distinguir os europeus dos restantes, recusava qualquer comércio.
Como todos os grandes místicos, o senhor “Marcolino”
vivia uma vida austera. O luxo era, a seus olhos, o primeiro dos sinais de
indigência. Nas mulheres, não via senão os tecidos com que se vestiam. Na sua
boca, ao vê-las, apenas uns murmúrios…
Só envelhecia aos domingos, e férias
tê-lo-iam morto. As suas únicas paixões eram o amor aos “negócios” e o ódio que
dedicava a seus concorrentes.
Em face da indústria imperial dos cartéis
alemães, esta indústria portuguesa do antes da Segunda Guerra Mundial,
mantinha-se feudal e até belicosa.
Alguém que dissesse ao senhor “Marcolino”
que algum dos seus concorrentes vendia mais barato que ele, fazia com que, de
imediato, baixasse os preços, como aumentava o salário a todo o que lhe
fornecesse informações sobre os seus rivais.
O senhor “Marcolino” considerava a
indústria como um desporto guerreiro e não falava que com orgulho dos golpes
recebidos durante as campanhas de época.
Para ele, todos os seus concorrentes eram
loucos, e dizia-o desde há mais de
quarenta anos.
Quando fechou os olhos pela última vez,
sem descendentes directos, mas com um filho de uma empregada dele, com quem
manteve relações secretas, que foi o seu único herdeiro, a fábrica, em vez de
se renovar, foi vendida a um dos seus rivais e
seu filho decidiu gozar os rendimentos,
acabando por se tornar em mais um político.
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