Os discursos nada ganham em pretenderem
apoiar-se no objectivo, no racional, na verdade, na educação, quando,
disfarçados, permanecem todos fundamentalmente inspirados pelo visceral.
Ultrapassar-se-ia o propósito colocado à política
ao fazer psicanálise dos empenhamentos que decidem, para este e aquele, de se instalar radicalmente na direita ou na
esquerda – excluo, evidentemente, os profissionais da renúncia, os renegados
que vão de um lado para o outro, segundo os interesses que ora nos conduzem
aqui, ora acolá, tanto quanto os
centristas, essa peste da política que acampa a igual distância daqueles a quem
se venderá, desde que uns ofereçam mais que os outros.
Aliás, devemos a estes últimos uma das
desqualificações mais em voga do termo “esquerda”.
Pelo que é preciso ver-se a sua vitalidade
aqui mesmo reafirmada – pois se a direita e a esquerda nada mais significam, se
as duas categorias estão ultrapassadas, como o afirmam aqueles cujo espírito,
no máximo das suas possibilidades, se encontra no psitacismo, então porque
motivos só proferem semelhantes disparates na altura em que o sócio capitalista
no poder está em cuidados para encontrar um apoio noutro local, sempre ao
centro, quando estão prontos para lho concederem em troca, apenas, da partilha
das pastas ministeriais?
A recusa da partilha e da clivagem entre
direita e esquerda é um facto dos homens de direita ou daqueles que são
motivados unicamente pelo poder em si mesmo.
A outra desqualificação da esquerda provém
dos que dela se reclamam para justificar seja o seu talento pela tirania –
penso nos antigos países de leste e também nalguns ocidentais – seja a sua
obsessão maníaca em chegar ao trono cobiçado durante toda uma carreira, não
política, mas politiqueira.
Dos primeiros, ditadores num registo feudal e
antigo e dos segundos, velhacos e hipócritas acabados, não se deve esperar
qualquer talento pela mística, mas apenas uma excelência consumada na retórica,
na estratégia, na tactíca em em todas as artes da guerra assimilada.
A instalação no registo místico e a
reivindicação dessa postura única dispensa ter de encontrar ou de frequentar,
de perto ou de longe, os aprendizes ditadores ou os aspirantes mentirosos ou
falsificadores.
Os nomes de família, quaisquer que sejam, não
interessam. Por nada deste mundo desejaria dar a impressão que compete ao
cidadão legitimar os recuperadores de energia – que são sempre os mandatários
dos partidos onde se tornou uma profissão nunca pensar, nunca reflectir e
sempre obedecer – no único intuito de partilhar os postos uma vez no poder.
A vontade de circunscrever uma mística de
esquerda supõe um desejo de captar
energias, de ler e ver actuar forças e de celebrar apenas estas
dinâmicas e não, certamente, as individualidades que, durante a História, não
deixaram de refrear ou, até mesmo, de destruir esses magníficos potenciais, que quererem apoderar-se deles para os esculpir.
Só me interessam as figuras que, segundo o
princípio da astúcia da razão hegeliana, resistem numa relação de forças de
igual para igual com a História, que a fazem tanto quanto ela os faz, aquelas e
aqueles que, num combate e numa luta com o anjo da revolução ou da História,
inflectem, quebram ou dominam essas energias.
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