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sexta-feira, 1 de março de 2013

«VÁ-SE LÁ COMPREENDER…»
















Compreendo mal a ambição de fazer nome numa época em que o epígono é de preceito. Impõe-se aqui uma comparação.

Napoleão teve, no plano filosóficos e literário, rivais que o igualaram: Hegel pela desmesura do seu sistema, Byron pela sua irregularidade, Goethe por uma mediocridade sem precedentes.

Nos nossos dias, seria em vão que partiríamos à procura dos equivalentes literários dos aventureiros, dos tiranos deste século.

Se, politicamente, demos provas de uma demência antes de nós desconhecida, no domínio do espírito revolvem-se apenas pequenos destinos; nenhum conquistador de pena: nada para além dos abortos, de histéricos, a obra da nossa decadência, um D. Quixote no Inferno.

É mais que evidente que precisaremos, para revigorarmos as nossas ilusões estéticas, de uma ascese de alguns séculos, de uma provação de mutismo, de uma era de não-literatura, pois até os livros estão demasiado caros…

De momento, resta-nos corromper todos os géneros, impeli-los para extremos que os neguem, desfazer o que foi maravilhosamente feito.

Se, em tal empreendimento, pusermos algum escrúpulo de perfeição, talvez consigamos criar um novo tipo de vandalismo…

Colocados à margem, incapazes de harmonizarmos as nossas derrotas, já não nos definimos por referência à Grécia: ela deixou de ser o nosso ponto de orientação, a nossa nostalgia ou o nosso remorso; apagou-se em nós, como também aconteceu com o Renascimento.

De Holderlin a Walter Pater, o século XIX sabia lutar contra as suas opacidades e opor-lhed a imagem de uma antiguidade mirífica, cura de luz, paraíso.

Paraíso forjado, não seria necessário dizê-lo. O que conta é que se aspirava a ele, que mais não fosse para se combater a modernidade e os seus esgares.

Era possível escolher outra época e cingi-la com toda a violência da saudade. O passado ainda funcionava.

Nós já não temos passado; ou antes, já nada há do passado que seja nosso; já não há país de eleição, salvação enganadora, refúgio naquilo que foi.

As nossas perspectivas? Impossível decifrá-las: somos bárbaros sem futuro.

Como a expressão já não possui a envergadura necessária para se medir com os acontecimentos, fabricar políticas e ter orgulho nisso constitui um espectáculo sobremaneira lastimável: que necessidade empurra um político a falar como o faz, a agir como age o senhor Pedro e seus sicários?

Porquê esta proliferação, este medo de ser esquecido, esta galantaria de má qualidade?

Indulgência, merece-a apenas o político atarefado, o escravo, o forçado da política.

De qualquer modo, já nada há para construir, nem em política nem em filosofia.

Só os que disso vivem, no sentido material do termo, bem entendido, deveriam continuar, pois estamos a entrar numa época de formas estilhaçadas, de criação ás avessas.

Qualquer um poderá prosperar nesse domínio. A barbárie é acessível a toda a gente: basta ganhar-lhe o gosto.

Preparamo-nos alegremente para desfazer os séculos.

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