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domingo, 10 de março de 2013

«NO FIO DA NAVALHA»


Não há qualquer dúvida que a política cessou de ser um sacerdócio, uma função espiritual, antigamente associada ao padre e ao militar e que, depois,  em vez e no lugar de homens que a sirvam, hoje deparamos com homúnculos que dela se servem.

A grande política solicitada pelos votos de Nietzsche definha em pequena política, reduzindo aqueles que enveredam por uma carreira no seu seio a gerir o capitalismo, as suas crises, a acompanhá-la em todas as horas, a desposar as suas causas, recuos, recusas grosseiras, insolências e violências e até a desfrutar deste acompanhamento.

Na pequena política, a carreira só distingue os gestores reduzidos à inacção, pois o verdadeiro poder político no regime capitalista concentra-se, apenas, nos capitães da indústria e nos seus associados que aumentam o seu poder com a sua riqueza – e vice-versa.

Proprietários e políticos, recusndo-se a associar o vazio ao seu poder político, refugiam-se no poder simbólico da representação, do verbom,  da lengalenga.

Envoltos no definhamento do seu verdadeiro poder, quando aceitam a regra do jogo liberal encontram-se reduzidos à teatralidade, à declaração de princípio, ao psitacismo televisivo, à arrogãncia das demonstrações de poder desses invólucros vazios que são as deslocações oficiais, militarizadas, exibindo os sinais exteriores do poder: motas, bandeiras, estandartes, polícias e guardas republicanos, serviços de segurança e serviços especiais, carros poderosos com vidros escuros, velocidades ilimitadas com a abolição do código da estrada, sirenes que berram, veículos repletos de médicos e cirurgiões especializados em intervenções graves ou de cortesãos presumidos, pretensiosos e inchados de orgulho.

Mas o cortejo vai vazio: o verdadeiro poder manifesta-se na cibernéticam, cúmplice dos que organizam os fluxos de dinheiro e que controlam, segundo os seus meios, as mitoses e as meioses legíveis no material celular dos capitais flutuantes, corpo virtual onde o verdadeiro poder mede e vai buscar a sua essência.

Daí a estranha sensação de assistir, aquendo das manifestações teatrais desses homens da pequena política, aos antípodas do grande e do sublime, à eterna cerimónia da busca de poder, até e sobretudo quando eles têm assento nas mais altas funções.

A prova da sua verdadeira impotência é que, investidos dos atributos do verdadeiro poder, com o ceptro na mão, falam como se ainda estivessem na oposição. Incapazes de actuar, não desejando revelar a sua magnífica impotência, falam dos contornos da sua acção – para amanhã – e fazem do dia de hoje uma perpétua encenação para as festas vindouras que nunca chegarão.

O sistema parlamentar propõe um viveiro para estas comédias. Nele estão em azáfama os que aspiram menos ao sublime, em matéria política, do que à sua pequena carreira. O hemiciclo actua como uma câmara de descompressão das reivindicações legítimas.

Metamorfoseadas, diluídas na escolástica moderna do formalismo jurídico, irreconhecíveis devido ao jogo das modificações dos projectos-lei, acabam por não mais existir como se nunca tivessem visto o dia.

A direita e a esquerda quezilam sobre os detalhes. Aquando das discussões, que levaram ao endurecimento da direita, sobre a possibilidade de expulsar os “emigrantes”, a esquerda, atendendo à hora tardia, foi embora deitar-se – o que evita a estes arautos o espezinhamento das suas carreiras, que o povo, nunca atrasado relativamente a uma bordoada racista ou xenófoba, não teria deixado de solicitar na altura dos próximos prazos eleitorais.

Pois é aí que reside o veneno_ na submissão da acção às finalidades ridículas, minúsculas, da duração na função. Não perturbar o eleitor, não o chocar, jurar-lhe a excelência na insipidez ou na maneira rígida de se exprimir, recorrendo aos mais grosseiros estereótipos e, sobretudo, reiterar a profissão de fé à maneira incantatória e religiosa dos “dervixes”.

O parlamentário agita-se nos seus ouropéis de figurante, num cenário onde trata de preservar ou de mascarar aquilo que, nos bastidores, é urdido apenas pelos  que desempenham os grandes papéis. Caso soubesse fazê-lo, negá-los-ia, demasiado pretensioso para consentir o seu papel indigente.

Longe de fazer as leis, de contribuir á nobre tarefa da legislação da nação, ele obedece às palavras de ordem do seu partido que, quanto a ele, procura a propulsão do chefe aos comandos do posto supremo – o trono, esse substituto republicano da função monárquica.

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