É com o dealbar do século XIX que aparece a primeira
organização maçónica genuinamente portuguesa. Antes de existirem lojas de
inspiração estrangeira com maior ou
menor presença de nacionais. Terão sido o embrião através do qual o espírito da
organização se desenvolveu e ganhou adeptos entre nós.
À difusão de “ideias” da Revolução Francesa
transformou-se, pelos confrontos sociais violentos que inspirou e marcaram o
século XIX, sob a bandeira de duas concepções de poder, num mito hegemónico que
é amiúde retrospectivamente projectado para a realidade histórica.
Assim aconteceu com a maçonaria portuguesa na fase de
transição de um para outro regime, sendo-lhe frequentemente atribuído um poder
e uma capacidade de actuação que parecem pouco plausíveis. A maçonaria
portuguesa, nas duas primeiras décadas do século, tem uma escassa expressão
numérica e uma incipiente estrutura organizativa. É ainda fundamentalmente uma
sociedade de pensamento, tal como proliferarão no século XVIII.
Se bem que atravessada por duas influências, uma inglesa,
outra francesa, a primeira mais preocupada com a tolerância, a segunda com o
pensamento, o peso de qualquer dessas vertentes na dinâmica social e política
foi objectivamente mínimo. O que se tem feito é extrapolar a adesão de alguns
dos actores desse processo de transição à maçonaria, transformando-a em motor
de um processo que afinal não é mais do que o prolongar de um progresso social,
económico e cultural que está em evolução desde o século XVIII.
Nestes anos é ainda o acto individual que é determinante.
A adesão à maçonaria tem então uma expressão ainda eminentemente cultural e não
política. Realidade que em breve se transformará com a instauraç~´ao do
liberalismo.
Com a revolução liberal, a estrutura funcional da
maçonaria vai servir para dar resposta ao novo espaço político que se cria. As
múltiplas cisões que sofre, a adopção do seu modelo organizativo por outras “sociedades”
no campo liberal ou absolutista, são prova de uma nova realidade que vai
radicalmente alterar a sua vivência, dando-lhe um papel social e político que
até então não tivera. Este modelo permite organizar tendências políticas e
dar-lhes uma base de mobilização. É essa então a função dos múltiplos clubes e
sociedades secretas perante a inexistência de estruturas político-partidárias.
O ritual de algumas delas, e o da maçonaria em especial, empresta ao gosto
romântico do século uma cor aliciante e à burguesia, ávida dde princípios de
legitimação, linhagens que se perdem na noite dos tempos.
Será necessária a reorganização política motivada pela
Regeneração para alterar o sentido e a função dessa sociedade burguesa. Entre
1851 e 1869, a maçonaria passa de uma realidade pulverizada em múltiplos grupos
para um só. Com um ou outro caso esporádico, de algum grupúsculo menos
importante, este movimento de reordenação corresponde à recuperação do seu
sentido de sociedade de pensamento. E é como tal que vai intervir na sociedade
da paz podre da regeneração, vivendo também ela uma paz que só o impacto do
positivismo virá perturbar.
De pequena expressão numérica, virada para a
solidariedade e a benficência, lutando, no campo das ideias, por princípios que
são timbre de uma corrente do movimento liberal, como o ensino laico, por
exemplo, burguesa, ritualista e católica (sempre foi exigida uma crença
religiosa, deísta, para ser mação), assim a vai encontrar o movimento
positivista, por volta da última década do século.
Manteve-se durante este período como uma sociedade de
pensamento onde coabitavam várias correntes do movimento liberal, abrangendo
mesmo o republicanismo, de expressão todavia minoritária. Os factores de
mudança são estes: “revolução” positivista no modo de entender os seus
princípios e o seu objectivo; ruptura com o deísmo, passando a admitir ateus;
alargamento das camadas da burguesia que a ela têm acesso; chegada ao seu seio,
ou conversão, de uma forte e militante corrente republicana; início dos
conflitos internos entre os cargos electivos, resultantes de sufrágio
universal, e os cargos por inerência de grau ritual, concedidos por cooptação.
Nestes consolidou-se a corrente mais tradicionalista e
conservadora, naqueles a corrente mais radical (leia-se monárquicos
descendentes e republicanos). A questão política crucial passa a ser a natureza
do regime, e esta atravessa a maçonaria com a mesma acuidade com que atravessa
a sociedade.
As tensões internas são fortes. Mas à data da morte de D. Carlos a maçonaria era esmagadoramente republicana. Os conflitos que a tumultuam entre 1912 e 1914, data da sua maior cisão, prendem-se já com o conflito entre moderados e radicais no quadro do novo regime.
Viveu desorganizada e cindida os dezasseis anos da
república. Com esta passaram a ter acesso às suas lojas grupos sociais que
desde a regeneração dela estavam afastados, como o operariado, por exemplo.
Afigura-se difícil destrinçar esta questão: te m a
actuação política de alguns dos políticos da República uma influência maçónica
ou há um conjunto de vectores do republicanismo que se tornam comuns à posição
ideológica da maçonaria, havendo portanto uma coincidência de discurso
político, sem que corresponda a uma intervenção directa desta sobre aqueles.
A desorganização em que esses anos se viveram parece
apontar para este segundo termo. Com o 28 de maio sofre uma violenta
perseguição e durante quarenta e oito anos manteve-se ligada à oposição
democrática, recuperando a sua legalidade e os bens de que fora espoliada com o
25 de Abril de 1974.
Ao longo de um complexo percurso, é possível verificar
algumas constantes que a caracterizam. Sociedade burguesa e, predominantemente,
elitista, defensora do individualismo, das liberdades fundamentais, da
independência do estado de tutelas confessionais, atenta ao ensino, à
solidariedade social, ao aperfeiçoamento da democracia (a luta pelo sufrágio
universal, por exemplo), atenta sempre ao debate das mais avançadas correntes
de pensamento.
Se bem que tenha mantido como lema “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade”, o espirito dos seus mais importantes teóricos, excepção feita
aos positivistas, está corporizado no lema «Unidade, Variedade, Harmonia».
No entanto, todos sabemos tratar-se de uma ilusão e que,
nos dias de hoje é prática corrente os políticos de diversos quadrantes
pertencerem à maçonaria e oprimirem o povo que vai miserando pelo país,
enquanto eles, como dizia o cantor, “Comem tudo e não deixam nada”.
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