Procurar eliminar sombras
não pode ser agradável para ninguém, muito menos para o Paulo… mas, quem mais
sofre é, certamente, aquele que as crê reais.
Não somente procura alcançar
o vazio e perseguir o nada, como se torna inapto a integrar-se no real.
Que a realidade o chame a si
– e ela não pode deixar de o fazer brutalmente – e todas as aberrações são
possíveis, desde a simples aversão ao esforço, que, só ele, sobrepuja o real,
até todas aquelas formas – no mais das vezes abjectas – do diletantismo, que só
encara a vida como um jogo sem valor moral.
Percebem-se as consequências
de semelhante desencaminhamento pela imagem, visto que não mais se trata apenas
de vida intelectual, mas de acção religiosa e social.
Se nada mais conta, a não
ser o universo fictício que se deixou sugerir pelo abuso do romance e do filme,
não mais se vê muito bem porque se deveria dedicar-se a viver pelos outros, em
virtude da abnegação, sempre penosa e frequentemente aborrecida.
Aquele que vive de imagens
ilusórias e que delas se alimenta é necessariamente um egoísta, porque,
encerrando-se nesse mundo, encerra-se em si mesmo.
Nada o interessa mais do que
essa onda sempre inconstante, que contempla com enlêvo e cuja atracção lhe é
tirânica.
Vida dos outros, as necessidades alheias, que
são coisas reais, não se integram mais, senão dificilmente, nesse mundo irreal,
feito apenas de miragens inconsistentes.
Mas, como um adolescente –
quem se espantaria disso? – está perdido para a vida política intensa, mas
continuando a imaginar-se, conjuntamente com os inquilinos dos palácios de
Belém e de S. Bento, possuidor de uma estrutura intelectual e mental extremamente
sólida, porque sempre impõe sacrifícios concretos e muito penosos, que estão
sempre a recomeçar, indefinidamente.
Quem se deixou intoxicar
pelo abuso da imagem continua a procurar essa droga.
Não é mais capaz, e torna-se
cada vez menos, de alcançar aquele domínio de si que os esforço quotidiano
impõe. Pelo contrário, tudo o afasta dele.
Como falar-lhe ainda de
austeridade, de sacrifício, de disciplina dos sentidos e da imaginação?
Que compreenderia, também,
das verdades que são verdades e que, por isso mesmo, transcendem o tangível e o
visível?
Esse universo ultrapassa-os,
como os ultrapassa também a necessidade de solidão, sem a qual não há
verdadeira “oração”, nem atenção ao curso da realidade e que os tornou, salvo um assomo de energia com o qual não se
pode contar, inaptos a ouvi-lo e a segui-lo.
E essa fuga desvairada
diante da solitude, da paz interior e do recolhimento do espírito, constitui
bem um dos piores vícios da nossa época.
Quem quer que se deixe
arrebatar por esse turbilhão renuncia a todo o domínio de si, pelo qual,
igualmente, um pensamento e um acção verdadeiramente humanos e sobrenaturais são
possíveis.
De todos os “divertimentos”,
no sentido pascalino da palavra, que nos afasta de nós mesmos, que nos distraem
e nos impedem de fazer silêncio, a fim de ver claro para bem agir, não há outro
pior que o abuso cometido sobre a cidadania.
É por isso que, desde a
infância, desde aquele período, sobretudo, em que o adolescente se põe em busca
de equilíbrio, de um estrutura mental sólida e, num palavra se encaminha
para maturidade, se deveria cuidar de o
salvaguardar do perigo mortal que ameaça a sua formação, e que não é outro
senão a procura das quimeras e a busa – tão vã e louca! – das miragens.
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