Para que não restassem dúvidas sobre o que pretendia
em torno do “compromisso de salvação nacional”, o Presidente da República
enviou uma carta detalhada aos três partidos, PSD, PS e CDS, antes de estes se
sentarem à mesa das negociações.
A carta, com o carimbo de “confidencial e
pessoal”, foi enviada a cada um dos líderes partidários, logo na sexta-feira,
dia 12, ou seja, dois dias depois do discurso de Cavaco Silva ao país, soube o
SOL.
O objectivo central do Presidente da República era um
acordo concreto que pudesse abrir caminho a um pedido conjunto para uma revisão
do memorando de entendimento. Na prática, um documento vago não chegava.
O enunciado de Cavaco foi transcrito – embora sem
referência directa – nos documentos de trabalho do CDS, colocados no site do
partido no último fim-de-semana.
Um dos documentos dos centristas, “termos de
referência do CDS para a obtenção de um acordo”, aparece organizado em três
colunas de texto. Uma refere-se às propostas do CDS, outra, a que pilar
enunciado por Cavaco na comunicação ao país a proposta corresponde (memorando,
pós-troika e eleições antecipadas) e a coluna restante tem um título discreto
de “iniciativa do PR”.
Ora, segundo confirmou o SOL junto de várias fontes
envolvidas nas negociações, esta terceira coluna contém citações da missiva,
onde Cavaco detalha de forma mais clara o que já dava a entender no seu
discurso. Os documentos do PSD, por outro lado, referenciavam apenas ao de leve
os termos de carta do PR.
Lendo os trechos do documento do CDS, percebe-se
melhor o que Belém pretendia com o compromisso. E o grau de exigência que
colocou nas negociações.
Cavaco Silva pediu, por exemplo, por escrito um acordo
entre PSD, PS e CDS para a viabilização do Orçamento do Estado (OE) para 2014.
“A concretização dos objectivos referidos na alínea a) [não explicitada nos
documentos] exige, certamente, um compromisso de diálogo aprofundado
relativamente ao OE2014 e às reformas do Estado consideradas indispensáveis
para a sustentabilidade da dívida pública”, lê-se.
À frente desse pedido de Cavaco, o CDS propunha então
“negociação com o PS (...) com abertura relativamente à defesa de uma
trajectória diferente para os compromissos do défice”. A abertura de uma frente
de negociação dos três partidos para pedir à troika uma flexibilização das
metas constituía a base de todo o compromisso de salvação. “Aí havia mais
garantias de que o pedido seria bem sucedido”, acredita um dos envolvidos no
processo, ouvido pelo SOL.
No seu discurso de domingo, com o qual fechou a crise
política, Cavaco Silva acabou por deixar mais clara esta sua intenção: “Um
acordo entre essas três forças partidárias, que representam 90% dos deputados à
Assembleia da República, reforçaria a nossa capacidade negocial com as
instituições internacionais, atenuando os pesados sacrifícios exigidos aos
Portugueses”. O pressuposto é grave: “É elevado o risco de os Portugueses serem
obrigados a novos e mais pesados sacrifícios”, disse o Presidente.
PS não quis estar à
mesa com o Governo e a troika
Voltando à carta de Cavaco, este defendia a
necessidade de “apoio parlamentar do PS às medidas que”, após negociação com a
troika, “sejam consideradas indispensáveis para completar com êxito” o
memorando e “assegurar a transferência das parcelas do empréstimo”. Foi, como já
se sabe, o ponto central que levou ao desacordo, com o PS a recusar a maior
parte dos cortes de 4,7 mil milhões de euros previstos na 7ª revisão da troika
(ver caixas ao lado).
Outra ‘sugestão’ apontava para que “as negociações com
as instituições internacionais” fossem “conduzidas pelo Governo com a
participação do PS”. Valia para as revisões finais do memorando, mas também
para a negociação do programa cautelar, que se seguirá em Junho de 2014, caso o
memorando seja bem sucedido. Este ponto que o CDS seguia, acrescentando uma
“articulação prévia de posições”, mereceu um ‘não’ rotundo da parte do PS,
confirmou o SOL.
Em Belém, as negociações foram seguidas com franco
optimismo durante toda a semana passada. E a ruptura – pela qual o Presidente
não quis “recriminar” ninguém – foi vista como tendo motivos apenas políticos.
Nomeadamente pela falta de espaço de manobra que António José Seguro teria no
interior do PS, com a enorme contestação que estava a merecer a presença dos
socialistas nas negociações.
O anúncio público da ruptura, feito por Seguro na
sexta-feira à tarde, foi visto por alguns conselheiros próximos do chefe de
Estado como uma oportunidade perdida.
Tendo em conta a expectativa existente de
que a troika exija, para assegurar o programa cautelar de apoio ao regresso aos
mercados, uma assinatura também dos socialistas.
Separados por 2 mil
milhões
Mais ainda: aos olhos de Belém, o decorrer das
negociações deu indicações de que a margem que separava as duas partes não era
tão grande como se fez crer. Se o PS falou publicamente contra os cortes de 4,7
mil milhões, nos encontros nem tudo foi recusado.
Os representantes de Seguro, confirmou o SOL junto de
fontes diferentes, aceitavam medidas como as rescisões amigáveis no Estado, os
cortes nos ministérios, o aumento da idade da reforma para 66 anos, e até uma
redução de salários no Estado – desde que sem efeitos nos actuais funcionários.
E comprometiam-se a falar com a maioria sobre uma reforma do Estado. Tudo
levava a crer que estariam separados por pouco mais de dois mil milhões – a que
acresciam algumas medidas pontuais, de carácter social.
Mesmo assim, e conhecendo o evoluir das negociações,
em Belém não se fazem juízos de intenção. O que Seguro disse sobre a hipótese
“real” de um acordo na quinta-feira antes da ruptura é encarado como
verdadeiro. O que surpreendeu foi o anúncio dessa ruptura, quase sem pré-aviso,
quando o PSD tentava ainda uma reunião final para acertar – no mínimo – um
documento de síntese entre as várias posições.
Agora, tudo o que o Presidente pede é que não se
desfaçam as pontes entretanto construídas. Seja isso nas medidas para apoiar a
economia, seja na reforma do IRC, ou mesmo na discussão do programa cautelar
que se seguirá ao memorando.
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