Estudo avisa que é preciso avaliar fluxos
migratórios, que podem vir a causar carências
Tradicionalmente um
país de emigrantes, Portugal começou a ser país de acolhimento no início dos
anos 90. A saúde não foi excepção: entre 1998 e 2004, o contingente
estrangeiro, só no SNS, triplicou, atingindo cerca de 3,6% do pessoal.
Um estudo publicado na
revista "Health Policy" por uma equipa de investigadores da
Universidade Nova de Lisboa, de Coimbra e do Minho revela que esta realidade
está a mudar, o que poderá levar a carências e dificuldades no acesso da
população a cuidados de saúde. Além de os imigrantes estarem a ir-se embora,
cada vez há mais enfermeiros e médicos portugueses a deixar o país. Mas
consideram que o mais preocupante é que não exista uma monitorização das
entradas e saídas para acompanhar os fluxos nem um pensamento estratégico dos
recursos humanos, que possa prever e prevenir lacunas.
O trabalho reúne toda
a informação que os investigadores coordenados por Cláudia Conceição e Gilles
Dussault, do Instituto e Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade
Nova de Lisboa, conseguiram obter sobre fluxos de profissionais de saúde em
Portugal na última década.
Uma das constatações
mais assinaladas ao longo do artigo, a que o i teve acesso, é
a dificuldade em obter dados sobre esta mão-de-obra especializada. Por um lado,
não existe uma base de dados completa sobre profissionais de saúde em funções
no país. O Ministério da Saúde faz esse trabalho, mas só para o sector público.
Já o Ministério do Trabalho tem condições para fazê-lo em relação ao privado,
mas reconhece que apesar de haver legislação nesse sentido, a informação não
está completa. Já os dados das Finanças que poderiam permitir cruzar informação
sobre emprego em ambos os sectores, por exemplo, não são acessíveis.
O rol de
dificuldades, apontadas como oportunidades de melhoria, prossegue: os registos
das ordens, além de não serem comparáveis, não permitem perceber se os
profissionais estão activos e onde. Isto vale para médicos e enfermeiros. Se
seria importante esta fonte de informação para perceber a distribuição de
imigrantes no país (só disponível para o sector público), poderia também ajudar
a avaliar as saídas, o que não está sistematizado.
Os investigadores
reconhecem que este é um trabalho difícil, dado que os profissionais são livres
de circular sem o declarar. Mas assinalam que isso não deve ser razão para que
não se desenvolvam mecanismos de monitorização. "Sem esta informação,
variáveis importantes para quem planeia não estão disponíveis", concluem,
recomendando que se avance para um sistema de informação integrada. "Mesmo
quando os fluxos migratórios não são quantitativamente elevados, em pequenos
países como Portugal, podem ter um impacto significativo no acesso aos cuidados
e por isso têm implicações importantes em termos de políticas."
SINAIS Após três anos a recolher dados e a fazer entrevistas no terreno, o
trabalho oferece algumas perspectivas sobre a mobilidade de profissionais neste
sector, algo que até aqui nunca tinha sido feito integrando diferentes grupos
profissionais mas também variáveis. Por exemplo no que diz respeito a
enfermeiros, um dos principais destinos é da nova emigração portuguesa é o
Reino Unido, onde o número de pedidos de autorização de profissionais
portugueses para exercer passou de 20 em 2005/2006 para mais de 500 em
2011/2012. Mas há paradoxos: ao mesmo tempo que há cerca de 7000 enfermeiros no
desemprego, estimativas da ordem citada no estudo, há outros a fazer vários
turnos seguidos ou a acumular empregos. Sendo os cuidados primários uma
prioridade estratégica nacional, os rácios de enfermeiros por médicos estão
longe das boas práticas e rácios internacionais.
Em relação aos
médicos, o fenómeno de emigração parece ser uma novidade desta crise e ainda
não há dados concretos. Destacam o recrutamento de uma agência francesa que
teve lugar em Lisboa no início de 2012: em dois dias receberam 700 inscrições.
Os investigadores
concluem que as motivações para sair são idênticas às dos imigrantes: procurar
melhores condições de trabalho, objectivo que com a actual conjuntura torna o
país mais repelente do que atractivo. Um caso sintomático parece ser a inversão
do fluxo de profissionais entre Portugal e Espanha: o contingente espanhol
continua a ser o mais representativo entre o pessoal estrangeiro do SNS, mas se
no início dos anos 1990 Portugal oferecia mais perspectiva de carreira e
segurança laboral do que o país vizinho, é notório que algo se alterou.
O número de médicos
espanhóis nos SNS atingiu um pico em 2005: 1140 clínicos. Em 2010, último ano
analisado pelos investigadores, eram já 700. O cenário entre enfermeiros mostra
uma debandada mais expressiva: em 2004, eram 1427 e, em 2010, 310.
Em pleno recrutamento
brasileiro de médicos em Portugal, os dados no estudo - e que não constam de
forma tão detalhada nos balanços sociais do MS - revelam que este é o segundo
contingente estrangeiro mais expressivo no país e o único que continuava a
crescer em 2010, contra quebras expressivas nas entradas dos PALOP ou da UE:
estavam a trabalhar no SNS 475 profissionais brasileiros, só contando médicos e
enfermeiros.
A necessidade de
começar a pensar os recursos a prazo e com dados mais sólidos é o desafio mais
premente, disseram ao i Cláudia Conceição e Joana Sousa Ribeiro,
co-autoras do estudo. Mas havendo dados, salientam, é importante tirar ilações,
dizem a título pessoal as investigadores do IHMT. Uma vertente onde isso não
parece ter acontecido é na programação de médicos de família e de saúde
pública: pelo menos desde 2001 que projecções pedidas pela tutela apontam para
carências nesta área devido ao volume de aposentações previsíveis até 2020:
quase metade dos médicos que se iam reformar neste período eram clínicos
gerais. "Isto deveria ter tido implicações no planeamento desde essa
altura", dizem.
M. F.
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