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terça-feira, 16 de julho de 2013

«Movimentos migratórios»

Estudo avisa que é preciso avaliar fluxos migratórios, que podem vir a causar carências


Tradicionalmente um país de emigrantes, Portugal começou a ser país de acolhimento no início dos anos 90. A saúde não foi excepção: entre 1998 e 2004, o contingente estrangeiro, só no SNS, triplicou, atingindo cerca de 3,6% do pessoal.


Um estudo publicado na revista "Health Policy" por uma equipa de investigadores da Universidade Nova de Lisboa, de Coimbra e do Minho revela que esta realidade está a mudar, o que poderá levar a carências e dificuldades no acesso da população a cuidados de saúde. Além de os imigrantes estarem a ir-se embora, cada vez há mais enfermeiros e médicos portugueses a deixar o país. Mas consideram que o mais preocupante é que não exista uma monitorização das entradas e saídas para acompanhar os fluxos nem um pensamento estratégico dos recursos humanos, que possa prever e prevenir lacunas.

O trabalho reúne toda a informação que os investigadores coordenados por Cláudia Conceição e Gilles Dussault, do Instituto e Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, conseguiram obter sobre fluxos de profissionais de saúde em Portugal na última década.

Uma das constatações mais assinaladas ao longo do artigo, a que o i teve acesso, é a dificuldade em obter dados sobre esta mão-de-obra especializada. Por um lado, não existe uma base de dados completa sobre profissionais de saúde em funções no país. O Ministério da Saúde faz esse trabalho, mas só para o sector público. Já o Ministério do Trabalho tem condições para fazê-lo em relação ao privado, mas reconhece que apesar de haver legislação nesse sentido, a informação não está completa. Já os dados das Finanças que poderiam permitir cruzar informação sobre emprego em ambos os sectores, por exemplo, não são acessíveis.

O rol de dificuldades, apontadas como oportunidades de melhoria, prossegue: os registos das ordens, além de não serem comparáveis, não permitem perceber se os profissionais estão activos e onde. Isto vale para médicos e enfermeiros. Se seria importante esta fonte de informação para perceber a distribuição de imigrantes no país (só disponível para o sector público), poderia também ajudar a avaliar as saídas, o que não está sistematizado.

Os investigadores reconhecem que este é um trabalho difícil, dado que os profissionais são livres de circular sem o declarar. Mas assinalam que isso não deve ser razão para que não se desenvolvam mecanismos de monitorização. "Sem esta informação, variáveis importantes para quem planeia não estão disponíveis", concluem, recomendando que se avance para um sistema de informação integrada. "Mesmo quando os fluxos migratórios não são quantitativamente elevados, em pequenos países como Portugal, podem ter um impacto significativo no acesso aos cuidados e por isso têm implicações importantes em termos de políticas."

SINAIS Após três anos a recolher dados e a fazer entrevistas no terreno, o trabalho oferece algumas perspectivas sobre a mobilidade de profissionais neste sector, algo que até aqui nunca tinha sido feito integrando diferentes grupos profissionais mas também variáveis. Por exemplo no que diz respeito a enfermeiros, um dos principais destinos é da nova emigração portuguesa é o Reino Unido, onde o número de pedidos de autorização de profissionais portugueses para exercer passou de 20 em 2005/2006 para mais de 500 em 2011/2012. Mas há paradoxos: ao mesmo tempo que há cerca de 7000 enfermeiros no desemprego, estimativas da ordem citada no estudo, há outros a fazer vários turnos seguidos ou a acumular empregos. Sendo os cuidados primários uma prioridade estratégica nacional, os rácios de enfermeiros por médicos estão longe das boas práticas e rácios internacionais.

Em relação aos médicos, o fenómeno de emigração parece ser uma novidade desta crise e ainda não há dados concretos. Destacam o recrutamento de uma agência francesa que teve lugar em Lisboa no início de 2012: em dois dias receberam 700 inscrições.

Os investigadores concluem que as motivações para sair são idênticas às dos imigrantes: procurar melhores condições de trabalho, objectivo que com a actual conjuntura torna o país mais repelente do que atractivo. Um caso sintomático parece ser a inversão do fluxo de profissionais entre Portugal e Espanha: o contingente espanhol continua a ser o mais representativo entre o pessoal estrangeiro do SNS, mas se no início dos anos 1990 Portugal oferecia mais perspectiva de carreira e segurança laboral do que o país vizinho, é notório que algo se alterou.

O número de médicos espanhóis nos SNS atingiu um pico em 2005: 1140 clínicos. Em 2010, último ano analisado pelos investigadores, eram já 700. O cenário entre enfermeiros mostra uma debandada mais expressiva: em 2004, eram 1427 e, em 2010, 310.

Em pleno recrutamento brasileiro de médicos em Portugal, os dados no estudo - e que não constam de forma tão detalhada nos balanços sociais do MS - revelam que este é o segundo contingente estrangeiro mais expressivo no país e o único que continuava a crescer em 2010, contra quebras expressivas nas entradas dos PALOP ou da UE: estavam a trabalhar no SNS 475 profissionais brasileiros, só contando médicos e enfermeiros.

A necessidade de começar a pensar os recursos a prazo e com dados mais sólidos é o desafio mais premente, disseram ao Cláudia Conceição e Joana Sousa Ribeiro, co-autoras do estudo. Mas havendo dados, salientam, é importante tirar ilações, dizem a título pessoal as investigadores do IHMT. Uma vertente onde isso não parece ter acontecido é na programação de médicos de família e de saúde pública: pelo menos desde 2001 que projecções pedidas pela tutela apontam para carências nesta área devido ao volume de aposentações previsíveis até 2020: quase metade dos médicos que se iam reformar neste período eram clínicos gerais. "Isto deveria ter tido implicações no planeamento desde essa altura", dizem.

M. F.


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